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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

terça-feira, 16 de junho de 2009

O seu engenho amado

Lucas C. Lisboa

Solitário como era não tinha amigos muito próximos, não era convidado para as festas e era alérgico a animais. Seu apartamento cheio de livros e ferramentas lhe acolhia com resignação e indiferença.

Viveria assim durante tantos anos sem se incomodar com aquela suave paz de sua morada mas um dia quando a consulta ao dentista atrasara mais do que o costume pegou um romance açucarado com a secretária tornando sua espera menos tediosa.

De volta a seu apartamento sem os cisos e com uma semana de licença se pôs a colocar seus estudos em dia: Todos aqueles livros que devia ter lido, todos aqueles artigos para revisar e todos aqueles protótipos ainda por terminar.

Cheio de ânimo estudou por dois dias naqueles silêncio tão propício a máxima concentração. Mas, no terceiro, incomodou-lhe todo aquele ambiente sepulcral, cansou-lhe seus assuntos tão sérios que tratava.

Quis então se distrair, ocupar-lhe a mente com algo mas todos os seus livros, papeis,ada fitas eram sérios demais. Nada havia ali sequer parecido como aquele banal romance da secretária, que julgara tão bobo, simples e pueril.

Não podendo ler o romance que devolvera crítico e desdenhoso. E sem coragem de ir até a banca mais próxima e passar pelo vexame de ser visto comprando literatura barata. Decidiu-se por viver ele próprio seu romance.

De tão inteligente, científico e hábil que era decidira que construiria sua amada com seus protótipos inacabados.: um braço mecânico, um modulador, olhos de lentes digitais e uma sorte de pequenos inventos, de funcionalidade duvidosa, que adornavam com seu peculiar gosto toda sua morada.

Tudo foi perfeitamente arquitetado a partir de um livro de anatomia humana (que comprara por engano certa vez). A construção fora bem simples, após concluso o projeto, seu intelecto formidável lhe enchia de orgulho a cada pequeno progresso. Terminara todo o processo em menos de quarenta e oito horas de trabalho ardoroso e frenético.

Quando terminada, não se continha de excitação frente sua amada construta com quem viveria o seu maior e mais perfeito romance. Um último ajuste precedeu o toque ligeiro em seu interruptor bem escondido atrás da orelha.

O corpo dela inteiro tremeu, sinal da inicialização do delicado sistema programado em seu interior, e ao abrir os olhos seus lábios esculpidos em látex abriram um enorme sorriso e disse olhando nos olhos dele: Papai.

Metafísica

Lucas C. Lisboa

Refuta-me e me desvela
pinta-me para sua tela
sem a tinta nem carvão
sua puta sem coração!

Trova pseudo-filosófica e pseudo-poética

Lucas C. Lisboa

Pois o Hades não é geográfico
nem Alma um corpo sutil
nada cabe o verso Sáfico
nem é Heróico seu ardil

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Minha querida

Lucas C. Lisboa

não sou bom, não sou herói -
se é para ferir eu bato,
sem pudores ou recato,
na ferida que lhe dói.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

I kant

fundamentação
no fundo, lamentação
de verdade ou não

sábado, 9 de maio de 2009

da morte amada

Darei vivas à sua morte
minha querida e ingrata
porém lasciva consorte
que tão suave me mata

Poeta

dou Salve ao Poeta
de palavra tão salgada
d'alma faminta e inquieta
só nos odres saciada

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Biga

Minha biga tem
Dois cavalos bem distintos
um forte outro fraco

Lago III

À beira do lago
ele sorri amargurado
fintando sua musa

Lago II

afunda no lago
o coração arrancado
pela mão amada

Lago I

Inata transparencia
do grande lago sagrado
turva-se vermelho

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Os Barbeiros de Lorena

Lucas C. Lisboa (texto não revisado)

Adentrei à barbearia do meu chefe. Ele tinha seus olhos todos já cobertos pela névoa do glaucoma. Limpava cuidadosa cuidadosamente o balcão, a cadeira e seus instrumentos de barbearia quando, no momento meus pés dentro pisaram, disse a mim sem se virar:

- Os óculos estão sobre o armário de metal.

Eu, ainda assustado com seus velhos hábitos, só consegui responder:

- Sim senhor.

Dirigi-me então até o referido que se encontrava mui empoeirado (contrastando assim com todo o resto da barbearia que reluzia) e lá não encontrei os óculos que me foram indicados. Impaciente com minha demora o Barbeiro Chefe caminhou até onde estava e bem na linha dos meus olhos evidenciou os óculos que solicitara.

- Tenho uma nova missão para você meu jovem e mesmo que tenha chegado agora a Lorena terá que partir no mesmo trem que lhe trouxe.

- Mas meu senhor, temo que as notícias que trago serão... - Interrompendo-me no meio o Barbeiro entregou-me os óculos e então abriu a primeira gaveta que deslizou com todos os rangidos e gemidos que tinha direito. De lá do fundo retirou uma enorme pasta marrom-amarelada.

- Cá está tudo que precisa saber, dentro de uma dezena me mande notícias da Gália, notícias boas eu espero. - O Barbeiro, sem me dirigir novamente a palavra ou sequer inclinar o rosto em minha direção, adentrou nos aposentos dos fundos da Barbearia e fechou a porta atrás de si e fez ressoar o ferrolho enquanto eu ainda estava ali de pé, com a pasta em minha mão e sua silhueta esguia passando através do vidro embaçado da porta à minha frente.

- Mas que diabos! Porque faz tudo assim da maneira mais difícil? - Sacudi a cabeça como um cão para afastar se não a água da chuva pelo menos as gotas de frustração daquele encontro.

- Mais trabalho e nenhuma resposta! - Sorria atrás de mim Iasmim com seus olhos negros, enormes e brilhantes.

Nós caminhamos durante a tarde por toda Lorena afinal o Barbeiro não queria me ver mais e minha volta antecipada só poderia acontecer após o crepúsculo.

Iasmim fez questão de me mostrar todas as suas incríveis descobertas no mercado central e nas lojas escondidas no beco pirata. Encantou-me o engenho de um certo artífice que na mesma peça juntara o sortilégio do soco inglês, a mortalidade da pólvora e a fineza da lâmina Suíça. O adquiri depois de regatear, pechinchar muito com o próprio artífice, por duas coroas (metade de todas as minhas economias).

Sentamos-nos num café para descansar as pernas e os braços depois das compras tão longas afinal não é todo dia que se tem uma guia daquela competência e astúcia.

-As notícias que me chegam de Alsácia são fascinantes meu caro Iacob! É verdade que o audaz, para não dizer louco, Engenheiro conseguiu alçar aos céus sua nau à vapor? - Iasmim perguntou-me em tom de sussurro travesso.

-Exatamente minha cara! Eles trabalharam com muito afinco nos últimos invernos. E tire esse olhar que eu conheço bem. Esse é um souvenir grande demais para que lhe traga como mimo! - Ri bebericando um pouco do chá das índias.

-Mas quem disse que o quero assim inteiro? Já ficaria eu feliz com os papéis. - Sorrindo-me com os olhos que não me deixariam nada recusar.

-Está bem, verei o que posso fazer depois de resolver essa pequena pendência - disse enquanto apontava para a pasta que o Barbeiro havia me entregue.

-Sabia que não ia recursar um pedido de sua irmã favorita! - Me mandando um beijo pelo seu lenço.

Peguei-o com delicadeza e guardei-o junto ao peito quando então olhei o conta-tempo e vi que em pouco mais de um ciclo partiria meu trem. Apressado me despedi de Iasmim deixando com ela dois cetros para pagar nosso café.

- Leve-me à Tabacaria Sant'ana - pedi ao jovem condutor védico que com presteza guiava seu coche a vapor afinal mesmo atrazado jamais poderia eu deixar de aproveitar a qualidade dos fumos adocicados que só ali valiam seu peso e não me custariam um pequeno reino.

Pelo caminho vi como a cidade onde renasci crescera desde minha última visita, estava em toda a vida, movimento e passagem. Os cavalos alados, as damas de vermelho, os pequenos malandros agora conviviam com os frades inventores, os navegantes de ferro e os taberneiros-mestres. Cada sobrado uma loja fenomenal, cada luz um espanto afinal a eletricidade era novidade ali em Lorena.

Comprado o fumo apressei meu passo pois um quarto de ciclo era o que me restava para por meus pés dentro do vagão. Mas não foi meu grande espanto quando a Estação já não estava mais onde eu esperava? Simplesmente havia desaparecido, pensei que havia errado ou me esquecido daquele bosque entre a Sant`ana e a estação.

Caminhando pela trilha dei-me com um pequeno casebre com mesas do lado de fora e bebidas servidas por um alto sátiro que me encarava com um sorriso tão convidativo que me fez aproximar e inquirir:

- Cá não deveria ficar a velha estação?

- Meu caro amigo barbeiro, o senhor está certíssimo. Mas nessas novas épocas permutamos com a estação depois do crepúsculo. - disse o sátiro enquanto me servia uma taça de seu odre.

- Mas como? Nada havia sido me dito! - respondi aceitando sua taça por educação.

- Bom meu caro, só posso lhe dizer que foi uma excelente negociação. Mas desejar mesmo ir é só dizê-lo em voz alta

- Dizer “desejo ir à estação” basta? - perguntei levemente intrigado com a novidade.

- Exatamente! Não é de uma simplicidade incrível esses engenhos estrangeiros? Mas antes de ter chamado sua carona deveria ter se dado conta que seus papéis estão voando. - apontando o dedo para atrás de minhas costas.

Olhei mais que depressa vendo um caminho de folhas amareladas e nas minhas minhas mãos a pasta entreaberta. Desesperado corri para apanhá-las conseguindo pegar todas menos aquela que continha seu rosto pois quando ia alcança-la vi-me dentro do vagão, já muito bem acomodado em minha cabine privativa.

sábado, 4 de abril de 2009

Detalhes Preciosos

Lucas C. Lisboa/Marcelo R. Brugger

belo Vestido bordado,
pontos de prata e dourado
arrematado afinal
com grampos e fio dental

quarta-feira, 18 de março de 2009

Por seu Paladar

Lucas C. Lisboa

Saiu de sua morada e escolheu, depois de muito procurar, o espécime pretendido entre os mais saudáveis, belos e de macia carne. Mesmo sem o hábito não teve dificuldades em abatê-lo, limpá-lo e separar os cortes mais nobres. Dispensou os restos e as partes de segunda categoria. Guardando suas escolhidas bem refrigeradas para que conservassem apropriadas para o momento do deguste.

Resfriado Retirou o primeiro corte e o deixou descansar sobre a mesa da cozinha enquanto cuidava dos demais afazeres de sua morada. Quando retornou sorriu ao ver sua peça, escolhida com muito esmero, coberta e já semeada pelas moscas. Estava feito e ela pode sair novamente em busca de mais um.

A caça não era de modo algum escassa e ela também não tinha qualquer pressa. Aguardou até que o espécime ideal lhe cruzasse o caminho. Se na primeira vez já não houve qualquer dificuldade, dessa o fez por puro instinto e reflexo. Então preparada e acondicionada como fizera com sua primeira pôde se dedicar ao preparo do banquete que há tanto tempo esperava.

Do mercado local trouxe cebolas brancas e roxas; pimentões vermelhos, amarelos e verdes; alho e também hortelã. Mandou importar de um pais do leste europeu uma especiaria que sequer saberia pronunciar adequadamente, mas que lera ser o melhor e mais indicado para seu fino prato. Da peça sobre a mesa pinçou todas as iguarias já maduras para o consumo. E de outra peça retirou bifes bem suculentos cortados na mais justa medida.

Chegado ou momento picou todos os ingradientes, em tiras bem finas e ajustadas ao tamanho de sua coleta, azeitou a frigideira e com todo cuidado adicionou um a um ao preparo de sua refeição. Quando tudo pronto, posta a mesa e servido seu prato, percebeu que sua taça repousava vazia sobre a mesa. Praguejou irritada por seu esquecimento do acompanhamento para seu prazer. Levantou-se e foi, rápido para que não esfriasse o jantar, à padaria comprar coca-cola.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Quinze anos e não mais

Lucas C. Lisboa

Eis finda a caixa de lenços,
de fino rosa bordado,
limpando os momentos tensos
do lençol rubro gozado.