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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Comunidade Científica Adverte

Para se caracterizar enquanto milharal precisa-se de pés de milho. Portanto, é imprescindível, que se plante milho no milharal.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Galanteio

Lucas C. Lisboa

Quero voce nesse frio
com duas garrafas de vinho
Com céu limpo, lua ao cio
e nas nuvens nosso ninho

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Filho Pródigo

Lucas C. Lisboa

Digo: Saudades não tenho.
Sou, ao menos, orgulhoso
demais pra dizer que tenho
de outro tempo saudoso!

Mas eu nem sei se eu convenho
em dizer que sou desgostoso
da terra que digo e venho
praguejando por troça e gozo!

Cidadezinha pacata;
é dessas que ninguém morre
e dessas que ninguém mata!

Cidadezinha de porre;
se o fim-do-mundo desata...
eu quero ver quem socorre!

terça-feira, 16 de junho de 2009

O seu engenho amado

Lucas C. Lisboa

Solitário como era não tinha amigos muito próximos, não era convidado para as festas e era alérgico a animais. Seu apartamento cheio de livros e ferramentas lhe acolhia com resignação e indiferença.

Viveria assim durante tantos anos sem se incomodar com aquela suave paz de sua morada mas um dia quando a consulta ao dentista atrasara mais do que o costume pegou um romance açucarado com a secretária tornando sua espera menos tediosa.

De volta a seu apartamento sem os cisos e com uma semana de licença se pôs a colocar seus estudos em dia: Todos aqueles livros que devia ter lido, todos aqueles artigos para revisar e todos aqueles protótipos ainda por terminar.

Cheio de ânimo estudou por dois dias naqueles silêncio tão propício a máxima concentração. Mas, no terceiro, incomodou-lhe todo aquele ambiente sepulcral, cansou-lhe seus assuntos tão sérios que tratava.

Quis então se distrair, ocupar-lhe a mente com algo mas todos os seus livros, papeis,ada fitas eram sérios demais. Nada havia ali sequer parecido como aquele banal romance da secretária, que julgara tão bobo, simples e pueril.

Não podendo ler o romance que devolvera crítico e desdenhoso. E sem coragem de ir até a banca mais próxima e passar pelo vexame de ser visto comprando literatura barata. Decidiu-se por viver ele próprio seu romance.

De tão inteligente, científico e hábil que era decidira que construiria sua amada com seus protótipos inacabados.: um braço mecânico, um modulador, olhos de lentes digitais e uma sorte de pequenos inventos, de funcionalidade duvidosa, que adornavam com seu peculiar gosto toda sua morada.

Tudo foi perfeitamente arquitetado a partir de um livro de anatomia humana (que comprara por engano certa vez). A construção fora bem simples, após concluso o projeto, seu intelecto formidável lhe enchia de orgulho a cada pequeno progresso. Terminara todo o processo em menos de quarenta e oito horas de trabalho ardoroso e frenético.

Quando terminada, não se continha de excitação frente sua amada construta com quem viveria o seu maior e mais perfeito romance. Um último ajuste precedeu o toque ligeiro em seu interruptor bem escondido atrás da orelha.

O corpo dela inteiro tremeu, sinal da inicialização do delicado sistema programado em seu interior, e ao abrir os olhos seus lábios esculpidos em látex abriram um enorme sorriso e disse olhando nos olhos dele: Papai.

Metafísica

Lucas C. Lisboa

Refuta-me e me desvela
pinta-me para sua tela
sem a tinta nem carvão
sua puta sem coração!

Trova pseudo-filosófica e pseudo-poética

Lucas C. Lisboa

Pois o Hades não é geográfico
nem Alma um corpo sutil
nada cabe o verso Sáfico
nem é Heróico seu ardil

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Minha querida

Lucas C. Lisboa

não sou bom, não sou herói -
se é para ferir eu bato,
sem pudores ou recato,
na ferida que lhe dói.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

I kant

fundamentação
no fundo, lamentação
de verdade ou não

sábado, 9 de maio de 2009

da morte amada

Darei vivas à sua morte
minha querida e ingrata
porém lasciva consorte
que tão suave me mata

Poeta

dou Salve ao Poeta
de palavra tão salgada
d'alma faminta e inquieta
só nos odres saciada

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Biga

Minha biga tem
Dois cavalos bem distintos
um forte outro fraco

Lago III

À beira do lago
ele sorri amargurado
fintando sua musa

Lago II

afunda no lago
o coração arrancado
pela mão amada

Lago I

Inata transparencia
do grande lago sagrado
turva-se vermelho

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Os Barbeiros de Lorena

Lucas C. Lisboa (texto não revisado)

Adentrei à barbearia do meu chefe. Ele tinha seus olhos todos já cobertos pela névoa do glaucoma. Limpava cuidadosa cuidadosamente o balcão, a cadeira e seus instrumentos de barbearia quando, no momento meus pés dentro pisaram, disse a mim sem se virar:

- Os óculos estão sobre o armário de metal.

Eu, ainda assustado com seus velhos hábitos, só consegui responder:

- Sim senhor.

Dirigi-me então até o referido que se encontrava mui empoeirado (contrastando assim com todo o resto da barbearia que reluzia) e lá não encontrei os óculos que me foram indicados. Impaciente com minha demora o Barbeiro Chefe caminhou até onde estava e bem na linha dos meus olhos evidenciou os óculos que solicitara.

- Tenho uma nova missão para você meu jovem e mesmo que tenha chegado agora a Lorena terá que partir no mesmo trem que lhe trouxe.

- Mas meu senhor, temo que as notícias que trago serão... - Interrompendo-me no meio o Barbeiro entregou-me os óculos e então abriu a primeira gaveta que deslizou com todos os rangidos e gemidos que tinha direito. De lá do fundo retirou uma enorme pasta marrom-amarelada.

- Cá está tudo que precisa saber, dentro de uma dezena me mande notícias da Gália, notícias boas eu espero. - O Barbeiro, sem me dirigir novamente a palavra ou sequer inclinar o rosto em minha direção, adentrou nos aposentos dos fundos da Barbearia e fechou a porta atrás de si e fez ressoar o ferrolho enquanto eu ainda estava ali de pé, com a pasta em minha mão e sua silhueta esguia passando através do vidro embaçado da porta à minha frente.

- Mas que diabos! Porque faz tudo assim da maneira mais difícil? - Sacudi a cabeça como um cão para afastar se não a água da chuva pelo menos as gotas de frustração daquele encontro.

- Mais trabalho e nenhuma resposta! - Sorria atrás de mim Iasmim com seus olhos negros, enormes e brilhantes.

Nós caminhamos durante a tarde por toda Lorena afinal o Barbeiro não queria me ver mais e minha volta antecipada só poderia acontecer após o crepúsculo.

Iasmim fez questão de me mostrar todas as suas incríveis descobertas no mercado central e nas lojas escondidas no beco pirata. Encantou-me o engenho de um certo artífice que na mesma peça juntara o sortilégio do soco inglês, a mortalidade da pólvora e a fineza da lâmina Suíça. O adquiri depois de regatear, pechinchar muito com o próprio artífice, por duas coroas (metade de todas as minhas economias).

Sentamos-nos num café para descansar as pernas e os braços depois das compras tão longas afinal não é todo dia que se tem uma guia daquela competência e astúcia.

-As notícias que me chegam de Alsácia são fascinantes meu caro Iacob! É verdade que o audaz, para não dizer louco, Engenheiro conseguiu alçar aos céus sua nau à vapor? - Iasmim perguntou-me em tom de sussurro travesso.

-Exatamente minha cara! Eles trabalharam com muito afinco nos últimos invernos. E tire esse olhar que eu conheço bem. Esse é um souvenir grande demais para que lhe traga como mimo! - Ri bebericando um pouco do chá das índias.

-Mas quem disse que o quero assim inteiro? Já ficaria eu feliz com os papéis. - Sorrindo-me com os olhos que não me deixariam nada recusar.

-Está bem, verei o que posso fazer depois de resolver essa pequena pendência - disse enquanto apontava para a pasta que o Barbeiro havia me entregue.

-Sabia que não ia recursar um pedido de sua irmã favorita! - Me mandando um beijo pelo seu lenço.

Peguei-o com delicadeza e guardei-o junto ao peito quando então olhei o conta-tempo e vi que em pouco mais de um ciclo partiria meu trem. Apressado me despedi de Iasmim deixando com ela dois cetros para pagar nosso café.

- Leve-me à Tabacaria Sant'ana - pedi ao jovem condutor védico que com presteza guiava seu coche a vapor afinal mesmo atrazado jamais poderia eu deixar de aproveitar a qualidade dos fumos adocicados que só ali valiam seu peso e não me custariam um pequeno reino.

Pelo caminho vi como a cidade onde renasci crescera desde minha última visita, estava em toda a vida, movimento e passagem. Os cavalos alados, as damas de vermelho, os pequenos malandros agora conviviam com os frades inventores, os navegantes de ferro e os taberneiros-mestres. Cada sobrado uma loja fenomenal, cada luz um espanto afinal a eletricidade era novidade ali em Lorena.

Comprado o fumo apressei meu passo pois um quarto de ciclo era o que me restava para por meus pés dentro do vagão. Mas não foi meu grande espanto quando a Estação já não estava mais onde eu esperava? Simplesmente havia desaparecido, pensei que havia errado ou me esquecido daquele bosque entre a Sant`ana e a estação.

Caminhando pela trilha dei-me com um pequeno casebre com mesas do lado de fora e bebidas servidas por um alto sátiro que me encarava com um sorriso tão convidativo que me fez aproximar e inquirir:

- Cá não deveria ficar a velha estação?

- Meu caro amigo barbeiro, o senhor está certíssimo. Mas nessas novas épocas permutamos com a estação depois do crepúsculo. - disse o sátiro enquanto me servia uma taça de seu odre.

- Mas como? Nada havia sido me dito! - respondi aceitando sua taça por educação.

- Bom meu caro, só posso lhe dizer que foi uma excelente negociação. Mas desejar mesmo ir é só dizê-lo em voz alta

- Dizer “desejo ir à estação” basta? - perguntei levemente intrigado com a novidade.

- Exatamente! Não é de uma simplicidade incrível esses engenhos estrangeiros? Mas antes de ter chamado sua carona deveria ter se dado conta que seus papéis estão voando. - apontando o dedo para atrás de minhas costas.

Olhei mais que depressa vendo um caminho de folhas amareladas e nas minhas minhas mãos a pasta entreaberta. Desesperado corri para apanhá-las conseguindo pegar todas menos aquela que continha seu rosto pois quando ia alcança-la vi-me dentro do vagão, já muito bem acomodado em minha cabine privativa.