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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Notas de página (Rascunho

Da terceira estante na quarta prateleira encontrou o livro que vinha procurando depois de ouvi-lo mencionando numa mesa de botequim, na mesa vizinha dois amigos discutiam, terrivelmente, sobre qual seria o exacto valor do verso medido e o que ele teria de tão melhor que a liberdade do verso livre. Não teve coragem de perguntar directamente para aquele par da mesa cada um deles batia tão fortemente o pé no que acreditava que imaginou que morderiam qualquer inocente leigo que lhes atravessassem o caminho. Entre as tantas páginas densas, herméticas e por vezes incompreensíveis uma anotação continha uma ideia deveras pertinente ao difícil tema do qual tratava aquele tratado.

Um elogio, a quem tivesse sua autoria, pessoalmente seria impossível. Porém, tal elogio fizera-se indispensável ao novo leitor. Que, encantando pela bela e feminina grafia, deixou seu recado docemente elogioso logo abaixo das linhas cursivas que se tracejavam ao lado do corpo tipográfico. Seu elogio nao era nada menos do que uma quadra de versos em redondilha que o leitor aprendera justamente pelas anotações que a glosadora fizera.Ele pretendia ficar mais tempo com o livro mas num lapso esqueceu-se de renová-lo e quando o devolveu a biblioteca para pegá-lo noutro dia não o encontrou.

Alguém o havia pego e esse alguém era ela. Já fazia alguns anos que brigava em meio as letras, palavras, ritmos e sons da poesia. Auto-didacta vasculhara bibliotecas e mais bibliotecas até encontrar aquele tratado completíssimo sobre Versificação. Tinha desde pequena o mal hábito de anotar suas ideias, impressões e descobertas nas beiradas dos textos que lia, uma forma de fixar, de indicar onde havia parado e principalmente a mantinha sempre escrevendo, grafia que era um prazer à parte para ela. Fazia quase um ano que tinha decorado linha a linha daquele livro, porém fora convidada por um feliz acaso a contar como funcionava essa tal de poesia clássica e insegura voltou para sua tábua de salvação de tantos anos.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

adeus

Em um dia tão terrível, fortemente lamentável, me levantei da cama porque não poderia mais ficar a sós com meus pensamentos. Pensá-los era como me sufocar e deprimir-me sem tamanho. Como que uma paixão inacabada, um assunto que já está morto e enterrado pode ainda me incomodar tanto assim? Tenho saudades dela que vivi esses meses tão fenomenais em minha vida. Ela que foi assim perfeitamente tudo que eu poderia esperar de alguém. Cada toque em uma sinergia que eu jamais imaginei possível. Cada gesto, cada suspiro, olhar e convívio era intenso e nada menos do que isso. Brigávamos pois sim, por nossa intensidade, por nossa absurda e total paixão. Nossos conflitos acendiam nossa paixão, instigavam nossos instintos, dançávamos loucamente sem nem pensar nas consequências lógicas, básicas e morais. Se ela era difícil eu não era nada fácil, nenhum dos dois sabia bem ceder, sabia como proceder senão num misto de dor e prazer que se alternava num sabor maravilhoso e louco. Eu sei que o que houve não é findo, ainda lacera o peito, ainda causa insônia, a distância não consegue romper esse vício, essa loucura que vivemos à dois. Resta-nos apenas esquecer? Resta-me apenas lembrar e sorrir? Eu espero mais do que sempre foi demais. Desregrado, sem normas, sem pudor e desenfreadamente delicioso.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Romântico

Lucas C. Lisboa

-Vai diz que me ama
e depois me beija?
-Não, mas se levante
e pegue a cerveja.

domingo, 6 de setembro de 2009

Sonetilho engavetado

Lucas C. Lisboa

Não menos malditos sejam
os meus pérfidos poemas
meus versos que não almejam
tédio e rimas amenas

Na terra seca vicejam
rascunhados sem pudor
que se fazem e rastejam
sem um único leitor

Guardo tudo sem encanto
nem sobrado ou palacete
é onde meu lirismo vive

Escrevo pois eu não canto
nem engano com falsete
uma voz que nunca tive

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Colegial

Lucas C. Lisboa

Na capa da prova
cabe minha trova?
Não cabe na prova
uma capa em trova!

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Eu odeio loja de roupa

Lucas C. Lisboa

Quando tinha por volta dos meus dez anos , já morava aqui no Santo Agostinho e minha mãe me levava para brincar no campo do atlético pois era aberto ao público e ao lado da minha casa. Porém , numa determinada manhã que íamos para lá qualan não foi nossa surpresa ao descobrirmos que o campo tinha sido vendido e que lá iria seriA construido um shopping? Sim, lá seria construído o Diamod Mall.

Nos tempos que se passaram eu realmente fiquei empolgado com essa história, afinal num shopping teria fliperama, cinema, Mac Donalds, fliperama e quem sabe até uns circos e parques que nem tinha no Del Rey, Minas e no BH! Dois anos depois de fechado e muito barulho na vizinhança não é que o Diamond fica pronto , mas para minha profunda decepção não é um shopping só de roupas? Sim! milhares de lojas vendendo roupas que não eram de meu interesse, roupas chiques, feias, para adultos! Nada de Fliperamas, só o Hotzone caro para caralho! E muita, muita loja de roupa! E nisso começou a nascer minha antipatia pela lojas de roupa.

O Diamond virou assim um shopping que eu ia só para tirar dinheiro e almoçar no domingo quando não tinha nada de comer lá em casa. Passou um tempo e ,não contentes em ter um shopping só para elas as lojas de roupas ,começaram a comprar e reformar as casas ao redor do Diamond, uma loja de noivas ali, uma outra de vestidos de festas por aqui e foi assim até que compraram o Amarelinho!

Meu bar/restaurante favorito que ficava numa esquina A só um quarteirão da minha casa e servia até bem tarde e tinha garçons amigáveis. Era um dos meus lugares favoritos de passar para tomar uma, sentar com o pessoal e fazer aquela boquinha de madrugada. Mas as lojas de roupa O compraram ele e o transforam, num requinte de crueldade, em um anexo todo fechado da loja de roupa que era ao lado! Aquela esquina de toldo amarelo agora era toda um muro grande e branco, muito sem graça , diga-se de passagem.

Agora, tomando meu bar favorito, eu realmente comecei a não gostar dessas lojas de roupa! Mas meu ódio por elas só se consolidou essa semana. Estou passando uns tempos na casa de meus amigos e lá acabei assumindo o papel de dono-de-casa e como tal fui à feira porque eu adoro pizza, sanduíches e comidas prontas , mas meu estômago reclama depois do terceiro dia vivendo À base delas... A dois quarteirões de lá tinha um açougue e um sacolão a preços não muito bons, porém ,tão perto assim, não havia nada nem sequer parecido. Mas minhas surpresa foi grande demais ao passar pelo sacolão e ao procurar o açougue e descobrir que ele virou sabe o que? Sim! uma maldita loja de roupa!

Como diabos alguém transforma um açougue numa loja de roupa? Isso é muito descabido! Não faz o menor sentido! E são todas aquelas lojas de roupas chiques, sempre vazias , sem ninguém dentro! Algumas até com interfone para se entrar... Toda vez que eu vejo uma dessas não consigo deixar de pensar que se trata de uma loja de esposa entediada e bancada pelo marido para que ela não o perturbe muito. "Vai lá meu bem, toma esse cheque em branco e monta sua loja" não contentes em simplesmente comprar quilos e quilos de sapatos, bolsas e coisa e tal.

Agora essas senhoras estão invadindo Belo Horizonte com suas lojas que só ocupam espaço! Ficam lá dentro aquelas vendedoras arrumadinhas, sorridentes e completamente sem o que fazer , ou porque eu nunca vi uma viva alma dentro delas. Sim, eu tenho raiva, tenho ódio dessas lojas de roupas que me roubaram o campinho de futebol, tomaram o lugar do meu fliperama e agora até mesmo o açougue! Eu odeio loja de roupa.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Trio que chegou II

Lucas C. Lisboa

Celo, Lú e Eu
Celo, Lú e Eu
Um trio da pesada
cabou de chegar

Celo, Lú e Eu
Celo, Lú e Eu
Um trio da pesada
só pra variar

Eu já entediado
Ela bem modesta
Ele bonachão

Eu meio quadrado
Ela já desperta
Ele pancadão

terça-feira, 25 de agosto de 2009

As quadras d'ela

Lucas C. Lisboa

Vem q'eu te quero querida.
Vem q'eu te quero atrevida!
amarrada em minha cama,
para mais de uma semana!

Vem q'eu te faço perdida,
de mim não cabe fugida!
Vem q'eu te faço nirvana,
cá donde meu gozo emana!

nos braços de morte e vida
Vem q'eu te pego ferida...
no meu ardil que te engana
Vem q'eu te pego com gana!

em minha sala servida
em meu quarto deglutida
Vem q'eu te tomo uma dama
Vem q'eu te tomo putana!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sem nomes na estrada

Lucas C. Lisboa

O sátiro ainda espiava o doce banhar da ninfa quando foi surpreendido pelos efeitos do excesso de vinho. Logo ele, tão habituado a esbórnias muito mais desregradas, bebera demais naquele dia ou havia algo de muito singular acontecendo ali.

E conforme o corpo da bela ninfa se erguia das águas tão calmas daquele olho d'água o sangue que corria pelas veias do sátiro, fumegante pelo álcool, lhe subia à cabeça. Nesse instante ela se assustou com o barulho da garrafa se partindo contra o tronco da árvore que se encontrava ao lado do sátiro.

Todo o corpo da ninfa se congelou quando o descobriu fitando-lhe com um agressivo olhar desejoso. Tentou correr mas as mãos dele, ávidas e belas, foram bem mais velozes do que sua mente, traída pelo seu corpo, poderia reagir ou negar-lhe.

As mãos fortes dele a tomaram com extrema e hábil avidez, toda a ebriedade dele propiciava os movimentos mais seguros e perfeitos para tomá-la para si. Porém num lapso de consciência ela se debateu tentando livrar-se daquelas mãos brutas daquele bruto ser que tentava apossar-se dela. E tal debater se tornou o motivo perfeito, não para soltá-la mas para instigá-lo ainda mais em sua fúria obstinada que crescia sem rédeas dentro dele.

Segurando-lhe pelos pulsos fez dos dedos dela dedos as primeiras vítimas mordendo-os como se avisasse por esse ato o prenúncio do que estaria por vir. E inesperadamente ela, ao sentir a primeira pontada de dor caiu-se num êxtase incomensurável e indescritível entregando-se assim àquela fúria satírica que a dominava inteiramente.

Com aquela em mãos deixou-se saciar todas as fomes e sedes naquele corpo que fez questão de desnudar inteiramente. Rasgadas as vestes se ocupou demoradamente naqueles lábios tenros e apetitosos, naqueles seios que sem dúvida foram moldados para o encaixe perfeito de suas mãos e naqueles cabelos que tão bem serviam para guia-la ao seu bel prazer.

Dentre aquelas coxas teve todos os prazeres que poderia ter o requinte e a devassidão de desejar e em seu dorso degustou, com seus dentes, aquelas carnes tão macias. Por toda a longa noite deixou suas marcas naquele corpo, alternando pelo seu vil deleite os momentos de prazer, descanso, dor e delírio.

Quando acordou e a viu ao seu lado ainda não se lembrava do que acontecera exatamente e muito menos sabia qual era o nome dela que jazia dormindo profundamente entre seus braços. As lembranças vieram aos poucos conforme velou por alguns instantes o seu sono.

Percebeu que ela vestia apenas uma de suas fitas vermelhas, em laço e ponta, ao redor de seu pescoço e também notou como todo o corpo dela estava profundamente adornado pelo que ele tinha certeza que se tratava das marcas de suas garras e dentes.

Sorrindo ele soube que ela acordaria não menos do que faminta. D'um cesto trouxera frutas em calda de chocolate, o vinho ele deixou de lado a noite já tinha tido vinho em demasia. Mas sem sombra de dúvida as frutas recobertas lhe fariam bem.

Tão diferente quanto a conhecera ele a acordou gentilmente com leves carícias em seu rosto e como bom dia lhe ofertou aquelas frutas. Os olhos da pequena brilharam faiscantes e sem muitos pudores abocanhou-as diretamente dos dedos dele. Não satisfeita porém não se deteve enquanto restava alguma calda espalhada naqueles dedos.

Se trocaram nomes foi mero acontecimento, não sabiam se novamente se veriam, não sabiam sequer o que de fato tinha acontecido. E o sátiro a levou para a trilha mais movimentada que poderia levá-la para casa uma vez que confusa ela só queria voltar ao lar e adormecer de verdade.

domingo, 16 de agosto de 2009

Pequena rocha

Nossas juras, nossas rezas.
Quiseramos ser perdidos
Nossos versos, nossas trevas.
Os trouxemos escondidos

Nós temos um santuário
sagrado em nosso nome
e tenho, ainda, o sudário
de nosso suor e fome

domingo, 9 de agosto de 2009

Pela fome amada

Lucas C. Lisboa

Ele chegou com uma caixa de Mousse au Chocolat para sua amada. Sabia de sua tara por doces e principalmente por chocolates. A textura cremosa com certeza lhe cairia bem ao paladar.

Pediu, para não contrariar o clichê, que fechasse bem os olhos enquanto apertando bem um tablete dirigiu seus dedos envoltos de musse e chocolate até os lábios dela.

Decerto que ele conhecia bem o segredo daquela pequena de cabelos cacheados e olhos castanhos, de sua tara por mãos e chocolates. Não poderia haver idéia melhor do que juntar ambos.

Com as mãos de chocolate chegando bem perto de seus lábios não pôde recusar o impeto e todos os dedos devorou com voracidade. Ele sequer percebeu a dor que era para ter sentido. Estava encantado demais em observar a fome e a volúpia que tinha provocado.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

ERRATA

Lucas C. Lisboa

Quem for ler não se deslinha
É lá na segunda linha
onde lê-se "vou poeta"
entenda bem: "sou pateta"

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Alma de Poeta?

Lucas C. Lisboa

Faz muito que escuto essa história, essa balela pseudo-romantica e modernosa. Um poeta nasce poeta? É preciso graça divina e nenhum esforço para verter lindas palavras?

Francamente! Dizer isso não me soa como nenhum elogio! Eu não passo dias treinando, estudando, aprendendo sobre as possibilidades estéticas da lingua portuguesa para que todo meu esforço seja creditado a "minha alma de poeta".

Tal qual um músico aprende a tocar seu instrumento precisando muito treino para dominá-lo inteiramente. Um poeta deve aprender a dominar o metro, aguçar sua capacidade de criar rimas e eufonias, aprender a trabalhar concormitantemente linguagem e som. Qualquer um escreveria divinamente com o devido tempo, contanto que dedicasse o devido tempo de estudo e persistisse no seu intento.

Discordo que a mera inspiração seja capaz de criar um poema perfeito. Há uma sensível diferença entre um autor que rabisca as primeiras linhas, o autor que já escreveu cem sonetos e o autor que é versado em divesas formas e metros.

Não que o caminho clássico seja o único capaz, evidentemente é possível se atingir expressividade plásticas, sonoras e líricas para além do classicismo. Porém tal não se dá também num rompante, um poeta transpira ao fazer seu poema e dizer que ele sai numa vertente única e divina...

Francamente! Nenhuma arte funciona assim! E deixar que acreditem que tal é verdade só desmerece o trabalho do poeta, do artista. Dizer que qualquer um faz de qualquer jeito uma obra maravilhosa faz com que toda a obra perca seu valor.

"Porque do metro?" me perguntam frequentemente. A Versificação é todo um conjunto de estudos que lhe ensina a compreender melhor a relação intrincada entre linguagem, ritmo e som. Ela permite que se identifique com maior clareza e habilidade os melhores momentos e as melhores posições que as palavras irão assumir num verso de modo a causar a maior extesia possível.

Com o estudo e treino da arte versificatória o escritor adquire flexibilidade e dominio léxico, amplia enormemente seu próprio vocabulário e não é pego com tanta facilidade num abismo onde nenhuma palavra se encaixa.

Decerto que a versificação não pode ajudar o poeta no que ele vai dizer, no conteúdo intrinsceco de seu discurso, mas vai, sem a menor sombra de dúvida, auxiliá-lo na melhor forma de dizê-lo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Vermelho de Chão, Vermelho de Bucha

Lucas C. Lisboa

Joelho ralado e vermelho,
não de meu sangue aos montes...
mas do mesmo barro velho
cá dos belos horizontes!

Choro e escuto o conselho:
"Banho fim-de-férias antes!¨
Retruco mas me aponta o bedelho:
que tem barro até nas frontes!

E diz a vó, no fogareiro,
quentando ao pé da serra:

"que apenas caminha quem erra
quem tropeça na montanha

de terra rubra e estranha
do ferroso formigueiro!"

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Comunidade Científica Adverte

Para se caracterizar enquanto milharal precisa-se de pés de milho. Portanto, é imprescindível, que se plante milho no milharal.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Galanteio

Lucas C. Lisboa

Quero voce nesse frio
com duas garrafas de vinho
Com céu limpo, lua ao cio
e nas nuvens nosso ninho

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Filho Pródigo

Lucas C. Lisboa

Digo: Saudades não tenho.
Sou, ao menos, orgulhoso
demais pra dizer que tenho
de outro tempo saudoso!

Mas eu nem sei se eu convenho
em dizer que sou desgostoso
da terra que digo e venho
praguejando por troça e gozo!

Cidadezinha pacata;
é dessas que ninguém morre
e dessas que ninguém mata!

Cidadezinha de porre;
se o fim-do-mundo desata...
eu quero ver quem socorre!

terça-feira, 16 de junho de 2009

O seu engenho amado

Lucas C. Lisboa

Solitário como era não tinha amigos muito próximos, não era convidado para as festas e era alérgico a animais. Seu apartamento cheio de livros e ferramentas lhe acolhia com resignação e indiferença.

Viveria assim durante tantos anos sem se incomodar com aquela suave paz de sua morada mas um dia quando a consulta ao dentista atrasara mais do que o costume pegou um romance açucarado com a secretária tornando sua espera menos tediosa.

De volta a seu apartamento sem os cisos e com uma semana de licença se pôs a colocar seus estudos em dia: Todos aqueles livros que devia ter lido, todos aqueles artigos para revisar e todos aqueles protótipos ainda por terminar.

Cheio de ânimo estudou por dois dias naqueles silêncio tão propício a máxima concentração. Mas, no terceiro, incomodou-lhe todo aquele ambiente sepulcral, cansou-lhe seus assuntos tão sérios que tratava.

Quis então se distrair, ocupar-lhe a mente com algo mas todos os seus livros, papeis,ada fitas eram sérios demais. Nada havia ali sequer parecido como aquele banal romance da secretária, que julgara tão bobo, simples e pueril.

Não podendo ler o romance que devolvera crítico e desdenhoso. E sem coragem de ir até a banca mais próxima e passar pelo vexame de ser visto comprando literatura barata. Decidiu-se por viver ele próprio seu romance.

De tão inteligente, científico e hábil que era decidira que construiria sua amada com seus protótipos inacabados.: um braço mecânico, um modulador, olhos de lentes digitais e uma sorte de pequenos inventos, de funcionalidade duvidosa, que adornavam com seu peculiar gosto toda sua morada.

Tudo foi perfeitamente arquitetado a partir de um livro de anatomia humana (que comprara por engano certa vez). A construção fora bem simples, após concluso o projeto, seu intelecto formidável lhe enchia de orgulho a cada pequeno progresso. Terminara todo o processo em menos de quarenta e oito horas de trabalho ardoroso e frenético.

Quando terminada, não se continha de excitação frente sua amada construta com quem viveria o seu maior e mais perfeito romance. Um último ajuste precedeu o toque ligeiro em seu interruptor bem escondido atrás da orelha.

O corpo dela inteiro tremeu, sinal da inicialização do delicado sistema programado em seu interior, e ao abrir os olhos seus lábios esculpidos em látex abriram um enorme sorriso e disse olhando nos olhos dele: Papai.

Metafísica

Lucas C. Lisboa

Refuta-me e me desvela
pinta-me para sua tela
sem a tinta nem carvão
sua puta sem coração!

Trova pseudo-filosófica e pseudo-poética

Lucas C. Lisboa

Pois o Hades não é geográfico
nem Alma um corpo sutil
nada cabe o verso Sáfico
nem é Heróico seu ardil

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Minha querida

Lucas C. Lisboa

não sou bom, não sou herói -
se é para ferir eu bato,
sem pudores ou recato,
na ferida que lhe dói.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

I kant

fundamentação
no fundo, lamentação
de verdade ou não

sábado, 9 de maio de 2009

da morte amada

Darei vivas à sua morte
minha querida e ingrata
porém lasciva consorte
que tão suave me mata

Poeta

dou Salve ao Poeta
de palavra tão salgada
d'alma faminta e inquieta
só nos odres saciada

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Biga

Minha biga tem
Dois cavalos bem distintos
um forte outro fraco

Lago III

À beira do lago
ele sorri amargurado
fintando sua musa

Lago II

afunda no lago
o coração arrancado
pela mão amada

Lago I

Inata transparencia
do grande lago sagrado
turva-se vermelho

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Os Barbeiros de Lorena

Lucas C. Lisboa (texto não revisado)

Adentrei à barbearia do meu chefe. Ele tinha seus olhos todos já cobertos pela névoa do glaucoma. Limpava cuidadosa cuidadosamente o balcão, a cadeira e seus instrumentos de barbearia quando, no momento meus pés dentro pisaram, disse a mim sem se virar:

- Os óculos estão sobre o armário de metal.

Eu, ainda assustado com seus velhos hábitos, só consegui responder:

- Sim senhor.

Dirigi-me então até o referido que se encontrava mui empoeirado (contrastando assim com todo o resto da barbearia que reluzia) e lá não encontrei os óculos que me foram indicados. Impaciente com minha demora o Barbeiro Chefe caminhou até onde estava e bem na linha dos meus olhos evidenciou os óculos que solicitara.

- Tenho uma nova missão para você meu jovem e mesmo que tenha chegado agora a Lorena terá que partir no mesmo trem que lhe trouxe.

- Mas meu senhor, temo que as notícias que trago serão... - Interrompendo-me no meio o Barbeiro entregou-me os óculos e então abriu a primeira gaveta que deslizou com todos os rangidos e gemidos que tinha direito. De lá do fundo retirou uma enorme pasta marrom-amarelada.

- Cá está tudo que precisa saber, dentro de uma dezena me mande notícias da Gália, notícias boas eu espero. - O Barbeiro, sem me dirigir novamente a palavra ou sequer inclinar o rosto em minha direção, adentrou nos aposentos dos fundos da Barbearia e fechou a porta atrás de si e fez ressoar o ferrolho enquanto eu ainda estava ali de pé, com a pasta em minha mão e sua silhueta esguia passando através do vidro embaçado da porta à minha frente.

- Mas que diabos! Porque faz tudo assim da maneira mais difícil? - Sacudi a cabeça como um cão para afastar se não a água da chuva pelo menos as gotas de frustração daquele encontro.

- Mais trabalho e nenhuma resposta! - Sorria atrás de mim Iasmim com seus olhos negros, enormes e brilhantes.

Nós caminhamos durante a tarde por toda Lorena afinal o Barbeiro não queria me ver mais e minha volta antecipada só poderia acontecer após o crepúsculo.

Iasmim fez questão de me mostrar todas as suas incríveis descobertas no mercado central e nas lojas escondidas no beco pirata. Encantou-me o engenho de um certo artífice que na mesma peça juntara o sortilégio do soco inglês, a mortalidade da pólvora e a fineza da lâmina Suíça. O adquiri depois de regatear, pechinchar muito com o próprio artífice, por duas coroas (metade de todas as minhas economias).

Sentamos-nos num café para descansar as pernas e os braços depois das compras tão longas afinal não é todo dia que se tem uma guia daquela competência e astúcia.

-As notícias que me chegam de Alsácia são fascinantes meu caro Iacob! É verdade que o audaz, para não dizer louco, Engenheiro conseguiu alçar aos céus sua nau à vapor? - Iasmim perguntou-me em tom de sussurro travesso.

-Exatamente minha cara! Eles trabalharam com muito afinco nos últimos invernos. E tire esse olhar que eu conheço bem. Esse é um souvenir grande demais para que lhe traga como mimo! - Ri bebericando um pouco do chá das índias.

-Mas quem disse que o quero assim inteiro? Já ficaria eu feliz com os papéis. - Sorrindo-me com os olhos que não me deixariam nada recusar.

-Está bem, verei o que posso fazer depois de resolver essa pequena pendência - disse enquanto apontava para a pasta que o Barbeiro havia me entregue.

-Sabia que não ia recursar um pedido de sua irmã favorita! - Me mandando um beijo pelo seu lenço.

Peguei-o com delicadeza e guardei-o junto ao peito quando então olhei o conta-tempo e vi que em pouco mais de um ciclo partiria meu trem. Apressado me despedi de Iasmim deixando com ela dois cetros para pagar nosso café.

- Leve-me à Tabacaria Sant'ana - pedi ao jovem condutor védico que com presteza guiava seu coche a vapor afinal mesmo atrazado jamais poderia eu deixar de aproveitar a qualidade dos fumos adocicados que só ali valiam seu peso e não me custariam um pequeno reino.

Pelo caminho vi como a cidade onde renasci crescera desde minha última visita, estava em toda a vida, movimento e passagem. Os cavalos alados, as damas de vermelho, os pequenos malandros agora conviviam com os frades inventores, os navegantes de ferro e os taberneiros-mestres. Cada sobrado uma loja fenomenal, cada luz um espanto afinal a eletricidade era novidade ali em Lorena.

Comprado o fumo apressei meu passo pois um quarto de ciclo era o que me restava para por meus pés dentro do vagão. Mas não foi meu grande espanto quando a Estação já não estava mais onde eu esperava? Simplesmente havia desaparecido, pensei que havia errado ou me esquecido daquele bosque entre a Sant`ana e a estação.

Caminhando pela trilha dei-me com um pequeno casebre com mesas do lado de fora e bebidas servidas por um alto sátiro que me encarava com um sorriso tão convidativo que me fez aproximar e inquirir:

- Cá não deveria ficar a velha estação?

- Meu caro amigo barbeiro, o senhor está certíssimo. Mas nessas novas épocas permutamos com a estação depois do crepúsculo. - disse o sátiro enquanto me servia uma taça de seu odre.

- Mas como? Nada havia sido me dito! - respondi aceitando sua taça por educação.

- Bom meu caro, só posso lhe dizer que foi uma excelente negociação. Mas desejar mesmo ir é só dizê-lo em voz alta

- Dizer “desejo ir à estação” basta? - perguntei levemente intrigado com a novidade.

- Exatamente! Não é de uma simplicidade incrível esses engenhos estrangeiros? Mas antes de ter chamado sua carona deveria ter se dado conta que seus papéis estão voando. - apontando o dedo para atrás de minhas costas.

Olhei mais que depressa vendo um caminho de folhas amareladas e nas minhas minhas mãos a pasta entreaberta. Desesperado corri para apanhá-las conseguindo pegar todas menos aquela que continha seu rosto pois quando ia alcança-la vi-me dentro do vagão, já muito bem acomodado em minha cabine privativa.

sábado, 4 de abril de 2009

Detalhes Preciosos

Lucas C. Lisboa/Marcelo R. Brugger

belo Vestido bordado,
pontos de prata e dourado
arrematado afinal
com grampos e fio dental