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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Romântico III



ele estende a mão e ela acha
que é pra lhe fazer carinho
mas ele só diz: me passa
minha garrafa de vinho

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Poeta


Lucas C. Lisboa

Eu passo partindo pratos
e durmo rangendo dentes
Eu peco sem celibatos
quando me quebro as correntes

Mato e me roem os ratos
Morro e me cremam os crentes
Pois vivo rifo recatos
para meus doces dementes

Nos muros mando recados
se me rasgam os bilhetes
Pois espalho arcos alados
purpurinas e confetes

Eu falo pelos calados
e berro pelos falantes
Faço versos cravejados
de ouro, de prata e de amantes


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Gato

que pense curto
mas pense rápido
dois fios num curto
frita o lagarto

Banal

não sou poeta para citação
em folhetim revista ou jornal
nem caio bem na coluna social
e nem no diário de coração

eu sou poeta do dia mais banal
da coisa já sem brilho ou razão
do instante mínimo além do tesão
típico do caderno marginal

falo da menina quase sem graça
que acha graça da minha cantada

falo dos belos mendigos da praça
que transam na fonte de madrugada

falo da minha poesia de raça
impura e filosofia renegada

Tour monetário e a mecenas de cabelos vermelhos

Além de ganhar chicletes de canela de lindas meninas, chocolates de doces senhoras, coca-cola e pururuca dos vendedores do trem e poesia dos poetas que encontro ao vender meus versos nos trilhos. Há uma outra coisa que sempre é divertido quando acontece. Que é quando recebo moedas estrangeiras! Sim, eu já estou fazendo um tour monetário com os diferentes trocados que recebo em troca dos livretos.


Tem moeda do peru que ganhei de um mochileiro que estava cruzando o pais, um dólar americano que ganhei de um casal que estava falando em inglês mas eram brasileiros, um dólar octogonal canadense que não sei quem me deu... É... eu não sei quem me deu pois tenho o costume de agradecer pelo livreto comprado mas não olhar o valor recebido. Gosto de poder tratar com a mesma simpatia o leitor que me dá centavos e o que me enche de notas.


Normalmente não conto o dinheiro até o fim do dia. Apenas retiro as moedas do bolso quando começa a ficar pesado demais e jogo dentro da bolsa de moedas. Após horas vendendo poesia ali nos trilhos essa bolsa fica parecendo uma algibeira medieval. E costuma fazer a alegria dos caixas de supermercado e bares que eu vou. Não são raras as vezes que eu escuto um: Acabou nosso problema de troco!


Falando em fazer a alegria, uma jovem mulher de cabelos curtos e pintados de vermelho realmente acreditou em meu sonho de levar a poesia a lugares onde ela nunca esteve. Já era tarde e eu tinha acabado de chegar até a Pavuna e me sentei distraído num dos bancos para arrumar minha bolsa e voltar a vender na volta.


Ela chegou toda tímida e me perguntou se eu ainda tinha dos livrinhos, acostumado com as pessoas que mudam de ideia na última hora e querem levar pra casa o livreto acabei abrindo a bolsa e peguei um livreto e entreguei para ela com um sorriso cansado. Ela pegou o livreto, guardou na bolsa e colocando minha mão entre as dela deixou uma nota muito dobrada dizendo para que eu não desistisse do meu sonho. E foi embora muito apressada sem me dar tempo de agradecer ou dizer nada. Foi o maior valor que eu já recebi por um livreto mais que o dobro do maior anterior.


Trabalhei contente não só pelo valor mas também porque vi que de norte a sul do Rio de Janeiro havia quem se encantasse por poesia, havia quem valorizasse o que eu faço contribuindo cada um a sua maneira para a poesia continue a viajar sobre os trilhos dessa cidade que acolhe os artistas com tanta alegria.

sábado, 17 de novembro de 2012

Para "A queda" um band-aid

Me diz: "o seu corpo é sujo!"
que meu prazer é um mal
censura se me lambuzo
com delícias sem igual

Se rejeito tal abuso
é pecado capital
me acusa d'outro desuso
de ser crente do infernal

Pois eu rejeito esse intruso
não me cabe culpa e moral
E sem fé bem que lhe acuso
de ser anti-natural

Pois vestir calças é russo
no meu pais tropical
Me deixe que não lhe fuço
na sua vidinha sem sal

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Dia de chuva

Passei o meu dia à ferro
pra alinhar todo meu mundo
como se ele fosse um terno
que se molhou num dia frio

Tentei consertar meu erro
encher de nada o vazio
jurando que seria eterno
só por mais esse segundo

Eu queria ter no meu peito
um algo que desse jeito
de chamar de coração

Tenho é um vazio perfeito
um belo sonho desfeito
que me canta a solidão

Ramalhete de palavras

Bonitas frases e flores singelas
são tudo que tenho a lhe oferecer
pra provar, pulo muros e janelas
espalho doces versos pra você

Cândidos cravos junto a rosas belas
eu trago pois se fosse seu querer
pintaria nas mais vivas aquarelas
só prum riso de seus lábios nascer

tenho duas mãos e a mente apaixonada
singro mares de morros, cruzo montes
quebro prantos e medos mais medonhos

eu simplesmente sei que é minha amada
pois em toda a arte somos amantes
nosso castelo é de pedras de sonho

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Diálogo entre o Dândi e o Trapeiro

-Calma lá! Eu vi primeiro. Sabe quanto me valerá esse tecido para o fazedor de livros? Será pelo menos três dias de pão para minha família.

-Você é um imbecil meu caro. Olhe essa cor vistosa! É um verde rubi de mais fina estirpe. Que importa se suas mangas estão poidas e seu acabamento não é mais o mesmo. Nas ruas escuras seu verde reluz o vermelho das lamparinas.

-Que me importa o quão reluzente seja? Me importo é com seu tamanho, ganho pelos palmos de pano que levo ao artesão. E esse casaco, tem forros internos, externos... É trapo que não acaba mais!

-Não o chame de trapos! É um design moderno, arrojado que acaba de cair em desuso na corte. Mas com os ajustes certos, a postura certa me faço em estilo e nobreza. O refinamento está na alma e em saber encontrar ouro onde os outros só vêem lixo.

-Chama de lixo meu trabalho? Seu verme vagabundo! Ganho com essas tralhas que ajunto o meu sustento. Melhor que você que escreve poemas e declama em troca de uma moeda ou uma caneca de vinho. Pelo menos meu trabalho não depende da caridade de ninguém.

-Meu caro amigo, não é isso que eu quero dizer. Mas a verdade é que dá para se viver no luxo só com o que se acha na porta da casa dos homens e mulheres direitos. São as melhores indumentárias, descartadas no afã da moda, os melhores adereços por terem sido ganhos do amante ousado e é claro até um quadro ou outro que fora dado por um parente que insiste em mecenar certos fracassados como nós.

-Não se iluda seu almofadinhas, essas roupa que usa, essa bengala, nada disso lhe faz parecer um dos que moram nas casas da avenida principal. Continua reles proletário, longe dos salões burgueses. Quando muito a Boemia pode abraçar. Somos de outra espécie de homem, bem mais baixos na cadeia alimentar.

-Vidrados no dinheiro, eles e você, não podem aproveitar a vida e nem o perfume da rosa. Veja aquela bela dama que atravessa a rua apressada, vê como é formosa!

-Pensa que me engana? Não levara meu trapo assim tão fácil. É tecido meu achado primeiro.

-Se o que queres é papel, tome cá esse livro. Pode vendê-lo ao artesão e ganhar mais moedas que ganharia com esse casaco.

-Me parece uma boa troca... Você deve ser louco! Trocar papel caro por um casaco sem valor.

-Cada um sabe o valor que dá ao que estima, esse casaco com certeza me ajudará a adentrar debaixo d'uma saia feminina.

-Seu lascivo! Isso lá é coisa que se diga na rua?

-Deixe disso, pare de me julgar pois agora vou-me indo atrás de um novo par.

-Mas espere ai! Isso aqui é uma bíblia! Como imagina que eu possa vender isso? É pecado!

-Pecado nada meu bom amigo, quando a fome a aperta Deus sempre está do nosso lado!

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Cego

O tal assum preto
canta bem melhor
no escuro perfeito
lhe feito sem dó

O saci do gueto
pula na maior
dum barraco pro outro
cuma perna só

mal não se renega
pois é desatino
não levar sua cruz

mariposa cega
tem no som do sino
seu facho de luz

domingo, 21 de outubro de 2012

Acelerado

Eu quero fundo
num gozo raro
e quero raso
num riso solto

Não sei se passo
ou não do ponto
no que eu aposto
sem um centavo

Eu quero à vista
do sonho cego
e quero à prazo
desregulado

Não sei se fico
num beijo morno
ou se me vazo
como um cachorro

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Primavera de Ocasião

Nessa tarde de domingo
verdes araras urbanas
colorem um céu cinzento
num tchau pro fim de semana

Adorável Canalha

Caminhando pela rua ele veio em direção contrária a minha, olhou-me nos olhos, passeou pelos meus cabelos, desceu por meus lábios e enquanto sorria seus olhos secaram meu decote. Passou por mim, mas eu pude escutar seu telefone tocando:


-Oi amor, não paro de pensar em você!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Livreto colorido, a gentileza dos seguranças e um recado pela janela do ônibus


Chegaram meus livretos novos! É a primeira edição colorida! Consegui encontrar uma gráfica graças ao Zuza que faz o trabalho por um preço mui acessível, acabou ficando a cópia mais barata que seria no xerox que eu costumava ir. E o melhor, posso pagar com cartão de crédito e só pagar os livretos muito depois de vendê-los.


Eu gosto do requinte que é usar as próprias engrenagens do sistema para subvertê-lo. Tento todo dia encontrar novos meios de usar a nossa querida industria capitalista que explora igualmente meios de transporte, graficas e cultura contra a sua própria estrutura.


Os novos livretos ficaram muito chamativos! Os leitores adoraram e foi um dia de intenso movimento nas estações. Acabei sendo pego em Cantagalo mas foi tranquilo, achei que ia dar algum problema mas os seguranças foram muito educados comigo e só me tiraram do sistema. O grande problema é que eu estava em Cantagalo e ali é longe demais das duas estações mais próximas.


Acabei optando por caminhar pela Rua Barata Ribeiro até chegar a estação Siqueira Campos onde voltei ao meu trabalho habitual de espalhar a poesia pelos trilhos do metrô. Nesse vai e vem cheguei até a Saens Peña e voltei vendendo vagão a vagão. Não é que dentro de um desses, na altura da Carioca, não encontro um amigo que bati bons papos na praça São Salvador?


Ele me convidou para a São Salvador, para beber um pouco e papear. Um chorinho aqui, uma conversa de cá, algumas latas de cerveja depois era hora de ir embora. Caminhei até o Largo do Machado onde pus em prática um truque carioca que acho o máximo.


No rio o transporte público é caótico e muitas vezes as empresas de ônibus lhe obrigam a pegar duas conduções para chegar a um destino cuja distância não é lá tão grande para justificar duas passagens. Com isso surge o Surf de ônibus que consiste em entrar no primeiro ônibus que vai na direção que você quer e perguntar se vai para onde você quer. Se for, que maravilha! Tá chegando em casa rapidinho, se não. Você desce e está um pouco mais perto de casa...


Já tive que surfar umas três vezes para sair do Largo do Machado e chegar na Lapa, mas dessa vez o motorista foi bonzinho comigo e me deixou na lapa. Uma gentileza que deixou minha noite mais feliz. Entrando no ônibus perguntei ao motorista se ele parava no ponto onde eu teria que descer para chegar em casa. Antes do motorista responder uma moça simpática me respondeu que sim, que ele passava por lá e então ela girou a roleta e foi se sentar.


Encantado por essa gentileza dela, passei pela roleta e ao passar por ela entreguei um livreto de poesia e agradeci pela informação. Sentei lá atrás do ônibus e continuei minha viagem pensando no dia seguinte, nos livretos que teria de dobrar e grampear para encarar mais um dia de poesia sobre trilhos e tudo mais. Mas a hora de descer ela me jogou pela janela do ônibus um recado muito singelo que dizia assim: "Obrigada! A arte ainda vai salvar o mundo!" E tinha um monte de beijos de batom naquele bilhete. Num dos cantos um rabisco, que eu acho que era seu telefone que ela rabiscou por algum motivo que nunca vou saber.


sábado, 15 de setembro de 2012

Eu-miragem

Mas que faço eu se sou sonho
se sempre acham que poetas
não sentem fome nem sede
de mil maneiras diversas?

que faço se sou medonho
no mesmo reino de quimeras
que também me fazem príncipe
sem perguntar meu querer?

Sou o cavaleiro que amada
sonha mas não quer que volte
pra sempre poder amar

Eu sinto que sou miragem
que querem nunca alcançar
mas contentam em estar lá

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Chuva, Luto e Recital sobre trilhos

Nem todo dia é dia de poesia. E o Rio de Janeiro não cansa de me surpreender. Jamais vou compreender o porquê exato do luto sempre que chove na cidade maravilhosa. Entrei dentro do metrô e me choquei com as caras mal-humoradas de todos. Sério, tava todo mundo com cara de enterro. E tudo porque caia uma leve chuva que para mim só tinha aliviado o calor estranho que se abateu na cidade em pleno inverno.


Caras de enterro, pessoas mal humoradas e eu parecia ser uma presença errada e feliz num ambiente onde todos estavam celebrando o enterro do sol. E assim eu fui de Saens Peña até Gal. Osório (alguém já reparou na quantidade de penha que tem aqui no rio? É Penha, Penha Circular, Alto da Penha, Saens Peña... Depois eu tenho que pesquisar e descobrir de onde vem esse nome). Foi uma viagem daquelas de poucos amigos, mas encontrei alguns rostos conhecidos, alguns clientes habituais que já fazem coleção dos meus livretos e tudo mais. Mas a esmagadora maioria tava mesmo afim de só voltar pra casa e se recostava nos bancos de olhos fechados.


Na volta de Gal. Osório para Saens Peña tudo seguia no mesmo ritmo até que uma senhora, de cabelos loiros pintados, que estava de pé pegou um livreto meu e começou a lê-lo em voz alta para os amigos e tudo virou uma farra naquele grupo. Todos rindo felizes e contentes a poesia viva na voz dela. Foi um lampejo de felicidade num dia tão cinzento. Colocou cor no dia e mostrou que a poesia pode vencer as nuvens mais carregadas.


Eu fiquei ali curtindo aquele momento espontâneo de poesia no metrô, foi delicioso e me deu uma revigorada daquelas. Tão envaidecido que perdi o tempo das estações e quando vi paramos na Uruguaiana e o vagão ficou apinhado de gente, completamente lotado! Pois é, paguei o preço pela minha vaidade e foi com muita dificuldade que consegui pegar os livretos de uns poucos que queriam devolver e de muitos que animados pelo recital iam levar pra casa os livretos.


Sai do vagão depois de dar um livreto de outra edição para a simpática senhora e quando sai ela voltava a ler os poemas em voz alta para seus amigos. Chegando no vagão seguinte senti o cansaço por ter trafegado pelo vagão lotado e a despeito da alegria do vagão anterior esse estava morto novamente, com caras mal humoradas. É, eu desanimei e aproveitando a deixa que o vagão estava chegando na minha estação desci e fui para casa.

sábado, 8 de setembro de 2012

Para uma poetisa de mão cheia

Bem eu sei que tem sonhos dos mais nobres
e um ralhar mais severo não só irrita:
deprime e propicia males piores...
mas elogio vão nem cai bem na fita!

Linguagem rebuscada, rimas pobres
pois escreve sonetos como se imita
poetas mui antigos por uns cobres
não vê que cega, tolhe e se limita?

Queria ver mais esmero na escansão
mais sabor, tino e crítica na rima
e um versejar mais solto com sua pena

Aprenda no repente e na canção
a amar como mulher e tal menina
brincar com os mil sons desde pequena

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quando a leitora persegue o poeta

Quarta-feira, fim de mês mas meu ânimo estava inquieto pois já havia alguns dias que eu não saia de casa e nem escrevia nada. Ficava ali vendo filmes, lendo um pouco e namorando um bocado. Eu precisava sair, entrar num metrô e atiçar com poesia um monte de gente diferente.


Escolhi o itinerário da Pavuna pois era durante o dia e os vagões estavam menos cheios. Mas como era de se esperar estava todo mundo duro e a quantidade de moedas era muito maior que das notas. Assim os livretos até que estavam ganhando donos rapidamente mas os livros nem tanto.


Terminei mais um vagão e mudei para o próximo, passou mais uma estação e uma mão me puxou a camisa. A mão pertencia a uma menina morena de óculos e cabelos cacheados que me disse que eu havia esquecido dela no vagão anterior. Sim, ela mudou de vagão para pagar pelo livreto! E o mais inacreditável é que ela estava sentada no vagão e agora teria que viajar em pé.


Para compensá-la minimamente lhe dei um livreto extra afinal sempre carrego pelos menos alguns livretos das duas edições anteriores para completar a coleção de alguns compradores habituais. Entretanto a dedicação e o esforço dela não me foram uma recompensa muito maior que as moedas em si. O resultado foi um sorriso bobo em meu rosto pelo resto do dia.


Esse foi o ponto alto da tarde que me aguçou mais a vontade de trabalhar nesse período . É um público diferente do noturno que estou mais acostumado. Um público que vale à pena cativar. Foi bom saber que não só os homens de preto podem me perseguir de vagão em vagão mas que os leitores que desperto também!

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Doutor Adevogado

Moço sério, roupa nobre
pasta de couro e relógio
no bolso nada de cobre
só notas de valor régio

Papéis que lhe versam sobre
assuntos e bens valiosos
que ameaça contra o pobre
e deixa ricos charmosos

tem no peito seu inimigo
que canta na madrugada
tal um bêbado risonho

mas sei que há muito mendigo
trajando terno e gravata
pedindo um pedaço de sonho

sábado, 18 de agosto de 2012

Código de Barras

Eu chego em casa e descubro
um reles papel comprova:
eles sabem meu endereço!

Tem meu nome, CPF
CEP e código de barras
tudo isso pra me cobrar

Cada conta vencida é praga
que faz tocar telefone
bater porta e campainha

tira o sono e me arranca
os cabelos da cabeça
incomoda sem parar

Sabe, cada conta paga
eu trato como troféu
que guardo com muito zelo

É tipo meu amuleto
um espanta-cobrador
por pelo menos um mês

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

"ô da poesia"

Um relato que escrevi no meio do ano passado e redescobri agora, dá uma certa nostalgia relembrar daqueles meses quando estava começando a vida de poeta sobre trilhos, se naqueles dias eu ainda era inseguro sobre o que fazia hoje sei que esse sonho está cada vez mais concreto. Vivo, visto e respiro poesia há um ano e meio aqui nessa cidade maravilhosa.


"Ô da poesia" escutei antes de atravessar a catraca do metrô. Gelei na hora, sempre tem muitos seguranças por ali e eu não gosto deles e a maioria também não gosta de mim. Mas dessa vez não era nenhum deles, era um rapaz de uniforme cinza e vermelho da limpeza do metrô. Eu parei e me virei e ele veio até mim e me perguntou se eu tava com as poesia ali e me comprou para dar de presente para a namorada. Contou que tinha me visto outro dia mas que não tava com grana no dia.


Tem dias que é assim, antes mesmo de entrar no vagão já ganho o dia! Fui lembrado pelo meu rosto enquanto ainda estava por começar o trabalho. Tem coisa mais prazerosa do que ser reconhecido por aquilo que faz de melhor e com mais prazer? Não, ao menos para mim que sou mais bobo não tem! Agora escrevendo me lembrei de outro dia já a algum tempo quando saindo para tomar café na rua riachuelo um singelo armário de terno e gravata me chamou pelo nome e  pediu o endereço do meu blog pois tinha dado o lireto pra namorada.


Ser parado na rua por ser poeta é um privilégio que pouquíssimos escritores já tiveram o prazer! A arte da escrita é tradicionalmente solitária e isolada. Precisa-se de muita pompa, revista, jornal e toda a mídia tradicional em cima prum amigo poeta ter seu rosto reconhecido. Mas não comigo, bastou algumas poucas edições para isso começar de quando em quando a acontecer. E agora com dez mil livretos em circulação isso tem se tornado mais comum.


Eu sou tímido demais e alguns leitores tem falado que mandaram e-mails para o Jô. Me dá um medo e um frio enorme da barriga só de pensar nisso! Gosto é do meu trabalho ali quase silencioso nos vagões. Quanbdo junta muita gente para falar e me perguntar sobre o que faço não sei dizer muito, gaguejo e gostaria de poder bater os calcanhares e sumir!


Fui cara de pau o bastante para furar a fila do mercado literário, fiz a afronta de ser reconhecido na rua sem o aval das editoras me sinto um pouco herege ao desafiar o sacrossanto processo de canonização do escritor! Sinto que provei que existem apenas homens e anseios, ao artista cabe identificar esses anseios, identificar e dar a panacéia para as almas que estão adormecidas em um pesadelo sufocante onde tudo está pronto e acabado. O mundo se tornou novo e maior em possibilidades, estamos todos enjaulados mas o carcereiro está sonolento isso é se já não dormiu.


Eu vivo como uma areia grande engrenagem do sistema, usando os artifícios criados para me controlar ao meu favor. Os apitos do trem que um dia me diziam a hora de entrar e sair do vagão para não chegar atrasado no trabalho hoje servem de cadência para que eu desperte a imaginação de tantos quanto possíveis novos leitores libertos da ditadura cultural outrora hegemônica.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

3-6-9

doce e ameno veneno que pinga
pela boca da moça que ginga
pelo som feito samba pra lua
e pro sol no cabelo e na rua

ela passa sem pressa ao léu
e devora sem pressa seu réu
em um crime bem feito e traçado
pra pisar noutro peito amado

forte e amargo pigarro de pinga
pela boça do moço que xinga
pelo tom pelo som pele nua
numa fome da carne mais crua

ele passa seu dia no bordel
devorando na noite sem véu
seu passado presente e futuro
feito verso bem claro no escuro

Certeza Universal

Não, não tem outra resposta
de mim, dele ou de tu
nem é uma vontade imposta
por deus ou por belzebu

Pois eu lhe faço uma aposta
Caralho, buceta ou cu
sei que todo mundo gosta
e quer pelo menos um

Mas passa mês, dia ou semana
com o tesão contrafeito
quer qualquer um no seu leito

Tara é coisa muito humana
que todo e qualquer sujeito
estará sempre sujeito

domingo, 29 de julho de 2012

Abençoada e ungida

minha moça santa
de olhos azuis
e de pele branca
que rubra reluz

moça que me encanta
com sua doce cruz
que bem me levanta
e pra fé faz jus

eu vou lhe abrir
todas as marés
com louvor e pranto

eu quero lhe ungir
da cabeça aos pés
com meu óleo santo

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Romântico II

Gata a vida é bela
mas mais bela fica
com a minha pica
pela sua goela

terça-feira, 17 de julho de 2012

Procura-se Revisor de Livreto Caseiro de Poesia

Outro dia no vagão do trem um singelo senhor de seus 40 e tantos anos, de óculos e barba. Um tipo daqueles com ares de intelectualidade e sapiência. Veio me dizer que não levaria meu livreto porque havia nele terríveis erros gramaticais que não seriam desculpáveis nem sob a luz da métrica, estilística ou licença poética.


Obviamente desconcertado e envergonhado admiti a culpa e perguntei solícito se ele poderia me apontar os erros. A resposta veio seca: sou revisor, para esse serviço só pagando. E eu fiquei olhando para a cara dele meio embasbacado sem ter uma reação prevista ou em pensamento.


Mais tarde revisei o livreto com olhar crítico poema a poema, verso a verso. Não encontrei nada que não se justificasse por uma rima, por um metro mais teimoso. Todo esse rigor do revisor só pode ser para justificar o seu ganha pão, será que ele achou assim tão absurdo alguém viver de poesia? Ou será mesmo que ele acha que eu poderia querer contratá-lo para revisar meus livretos?


Ele ainda se safou dizendo que só criticou pois viu que tinha ali algum valor, leu tudo, do primeiro ao último poema, mas será que foi só sadismo para me desconcertar ali ou será que não entendia tão bem assim de versificação mas somente de gramática pura?


Bom, pelo sim pelo não... Fica ai aberta a vaga de revisor de livreto de poesia do poeta sobre trilhos! Não quero mais passar vexame dentro dos vagões.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Passado, Presente e Perigo nos Trilhos.

Viver da poesia sobre os trilhos do trem me faz sentir como se eu voltasse no tempo, e refizesse os caminhos de meu próprio avô, pois ele durante as décadas de 40,50 e meados de 60 viveu e criou sua família como comerciante da Estrada de ferro Bahia Minas que partia de Arassuai (sim naquela época Arauçuai tinha até outra grafia!) e ia até Ponta de Areia na Bahia.


O Natalino pai, nascido em 25 de dezembro, alugava um vagão do trem que ficava estacionado próximo de sua venda em Alfredo graça que era a primeira parada após o trem partir de Arassuai. O Natalino Filho (meu pai que não era nascido no natal mas ganhou o nome por capricho de meu avô) me conta que ele com seus 7 anos brincava no armazém onde havia montanhas de grãos de feijão e de milho.


Meu avô carregava o vagão com milho, melancia, feijão, farinha de mandioca e demais produtos produzidos na região. No percurso do trem ia aos poucos esvaziando o vagão e enchendo-o novamente com tecidos, perfumes, ferramentas e outros tantos produtos que chegavam ao porto.


Mas isso mudou pois no ano seguinte ao golpe de 64 os militares assinaram um decreto desativando a Estrada de Ferro, sem a estrada não havia mais como escoar a produção da região e meu pai pegou em 66 o último trem para Araçuai onde minha avó se tornou gerente dos correios e meu avô fazendeiro.


Essas divagações me vieram quando vejo a insensibilidade do metrô que não se importa com a natureza do que se trata o livreto com o qual estou despertando os leitores. Eu acabo vendendo muito no metrô mas ali a venda de poesia não é uma atividade muito bem quista pelos seguranças.


Quando entro em um vagão tenho que tomar cuidado para ver se não tem um segurança a bordo, eles sempre me chateiam. Era o segundo vagão da noite, entrei e caminhei até o fundo dele quando reparei quase imperceptível um segurança, ele me notou. Esperei sentado no percurso até a próxima estação e quando fui trocar para o vagão de trás o nosso amigo veio me seguir. Aquela situação estava chata e eu tive que pensar rápido. Quando o apito do metrô soou para as portas se fecharem eu saltei do vagão. E a porta se fechou atrás de mim sem que desse tempo dele continuar atrás. A verdade é que me senti meio que num filme de ação e tive que resisitir a virar e dar tchauzinho para o homem de preto. Sentei na estação, tirei os óculos, vesti o agasalho longe das cameras de segurança e fiquei jogando no celular até o próximo metrô passar.


Ser poeta sobre trilhos, talvez o único poeta underground (literal) do rio, é um enorme prazer. Ver o sorriso no rosto alheio, os olhares encantados, a felicidade estampada vale os riscos. Ninguém pode me tirar esse prazer, principalmente quando sei que são milhões de leitores adormecidos que passam por ali todo dia, aos poucos eu vou conseguindo levar até eles. Oito mil livretos vendidos nesse processo que já dura seis meses. Mas a pergunta que me move é: você tem ideia do que pode uma mente que voltou a usar a sua imaginação?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" faço versos e de quado em vez me arrisco na prosa.


Em tempos tão performáticos e midiáticos há espaço para um poeta que seja apenas poeta? Há espaço para quem apenas aprecia a arte da escrita, que gosta de observar a leitura silenciosa de seus versos? Que gosta do efeito de um poema que ao terminar de ser lido seja relido e lido novamente?


Eu, sinceramente achava que não, acreditava que jamais faria sucesso como poeta por não saber e nem querer, cantar, recitar, declamar ou mesmo sapatear com meus versos. Tá, eu confesso, era uma mistura de timidez com falta de jeito para as demais artes. Porém o que é dificuldade e barreira também é o estimulo para a invenção.


O Poeta sobre Trilhos surge como um personagem capaz de levar a poesia para um público amplo sem depender do suporte de outras artes como a retórica, a música ou as artes cênicas. A poesia, somente a poesia em papel e tinta se basta na tarefa de levar o prazer de si mesma para os leitores.


Nada de declamação, nada de piruetas ou acordes de violão. Dentro de cada vagão levo apenas meus livretos de poemas. Oito páginas com minha poesia bem diagramada e com letras grandes para que todos possam ler, mesmo aqueles que já estão com os braços curtos e esqueceram os óculos em casa.


Sei que é lindo ter uma platéia cantando junto suas músicas ou gargalhando em sincronia com sua atuação. Mas sou eu muito feliz de poder ver a sinfonia silenciosa das expressões de meus leitores dentro dos vagões.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Relembrando a mudança de endereço....

Com o Lançamento do meu livro: Sobre Máscaras e Espelhos

Meu site mudou de endereço, continue acompanhado meus versos, pensamentos em: www.srpersonna.com.br

Poeta Sobre Trilhos em: Poesia sabor canela!

Um chiclet de canela por um livreto de poesia me parece uma troca surreal. Mas muitos dizem que é surreal viver de poesia hoje em dia. E é isso que eu venho fazendo há um ano e meio na cidade do Rio de Janeiro.


Como assim um chiclet de canela por um livreto de poesia? Me perguntam embasbacados. Talvez por não saberem o que eu faço do meu dia a dia isso torna-se mais impossível. Porém eu reconto, eu vendo poesia dentro dos vagões do metrô e do trem da capital fluminense (aprendi a pouco tempo que carioca é só quem nasce na cidade e o natural do estado é o fluminense!).


Distribuo dentro de cada vagão cerca de 30 livretos e espero a reação dos leitores. É sempre fascinante ver como cada pessoa reage ao ler poesia depois de muito tempo e até mesmo pela primeira vez. Tem quem folheie desinteressado e depois largue pra lá, quem devore tudo com avidez e vontade, quem lê esquece do mundo ao redor, enfim gente de todo tipo com reações de todo tipo!


Mas voltando ao chiclet de canela, tinha uma linda menina de cabelos loiros lisos, aparelho nos dentes e não mais de treze anos que estava com a mãe dentro de um vagão. Ela lia com muita avidez que eu pensei até que ela nem se lembraria de me pagar ou devolver o livreto.


Eu estava enganado porém antes de ir abordá-la recolhi e vendi os livretos que restavam no vagão e fui lá preparado para pedir de volta o livreto. Minha surpresa foi quando ela me disse que não tinha dinheiro pois gastara complando um pacote de trident de canela. Olhou pro trident e me perguntou se eu aceitava o chiclet em troca do livreto.


Eu só ri surpreendido e feliz. O escambo é algo maravilhoso, a troca de um objeto por outro é melhor e mais mágico que a troca por dinheiro. Ela trocou algo que dava prazer a ela por algo que estava lhe dando, talvez, ainda mais prazer! Não estava trocando um prazer de fato pelo prazer potencial do dinheiro, era algo tangível e completo.


Eu assim nunca fui o maior fã de chiclet de canela mas desse dia em diante ele me surgiu como um sabor fantástico, um sabor de lembrança e de sonho. O de saber que uma doce menina no auge dos seus treze anos se encantou por meus versos.


E como eu sempre digo, minha vida não dá um livro porque é inverossímil demais. Estou escrevendo esse relato que procrastino há duas semanas justamente porque voltei a encontrá-la. Saindo da estação Afonso Pena lá estava ela, sorrindo pra mim e perguntando se tinha poesia. Eu não reconheci na hora, mas quando ela sacou o envelope de chicletes...