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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Um trabalho bem bolado


A minha vida é irreal, surreal. Muitas vezes se escuta "minha vida daria um livro" mas não é meu caso. Minha vida não daria um livro pois não possui qualquer ponta de verossimilhança. Sim, eu moro na cidade do Rio de Janeiro e vivo as custas de meus versos. Sim, eu vivo de poesia! E antes que os românticos relembrem o casal que vive de amor lhes digo. É meu trabalho, levo poesia de mão em mão nos vagões dessa cidade louca.

Pensando como meu pai, mãe e irmão administradores eu procurei um nicho de mercado, um espaço carente de cultura e principalmente de poesia. Poetas urbanos o Rio está cheio, transbordando. Mas só nos lugares de sempre. É impossível passar na frente do CCBB, Teatro Municipal, Biblioteca Nacional sem encontrar com essas incríveis figuras... 

Eu acho que seria mais um se não fosse por esse tino que veio de família. Meu pai sempre me contou a história de dois funcionários de uma empresa de calçados que foram mandados para a India, o primeiro voltou dizendo que não recomendava de jeito nenhum instalar lá uma fábrica pois ninguém lá usava sapatos, já o segundo voltou dizendo que deviam se preparar imediatamente pois lá ninguém AINDA usava sapatos. 

Na frente dos centros de cultura todos já estão de certa maneira saturados de poesia, vêem e lêem todo dia arte, literatura, poesia.  E são sempre os mesmos frequentadores, um público bem restrito. Dentro dos vagões eu encontro gente de toda sorte que teve o azar de não ter tempo, oportunidade, interesse de degustar um pouco de arte naquele dia. Meus livretos são algo raro dentro dos vagões. São calçados novos num lugar onde tantos nunca experimentaram uma par de sandálias.

O prazer que levo para esses leitores em potencial gera todos os tipos de reações e hoje foi mais um daqueles dias chuvosos que parecem que se não rendem muita grana pelo menos dão ótimas estórias. Sai de casa hoje depois de um bocado de esforço para vencer a preguiça, mas finalmente consegui! A primeira viagem Tijuca-Gal. Osório não foi lá essas coisas, todo mundo desinteressado, com frio e dormindo. Algumas poucas almas tinham um lampejo e me deram cinco reais cada uma em alguns vagões. Um jovem negro que parecia que tinha saido de um dia longo levou meu livro "Sobre Máscaras e Espelhos" com um sorriso branco no rosto. Mas era uma daquelas viagens desestimulantes sem muitas reações positivas. 

Cheguei em Ipanema torcendo para que a volta fosse um pouco melhor, mas não foi. A mesma desanimação e sonolência na maioria dos vagões. O desânimo já ia me abater quando resolvi trocar de linha em Botafogo e seguir o itinerário em direção a Pavuna. Sabe como é, já estava ruim ali, não custava arriscar a sorte em outra linha. Em partes deu certo, havia muita gente animada, feliz e rindo nos vagões. E dai choveu moeda, vagão por vagão os livretos foram vendidos e recebidos com sorrisos lindos. Isso me empolgou que nem vi que passei pela Estação Central. "A estação Central é a última estação para a transferência entre as linhas um e dois" Dessa vez eu não escutei essa frase da moça do aviso sonoro.  

Mancada minha, já era tarde demais e a volta os vagões estariam desertos, como já estava tudo fodido mesmo continuei ali seguindo em direção a Pavuna pois pelo menos a ida tinha gente em cada vagão. Mas como eles não são infinitos acabei o último vagão da composição e saltei em Maria da Graça. Agora era encarar a volta. Enquanto esperava o trem que me levaria até a Central e da central até minha estação de desembarque eu fui dar uma conferida nos rendimentos do dia.

Foi hilário constatar que tinha recebido praticamente a mesma grana indo pra zona sul e indo pra zona norte. Na zona sul menos gente contribuiu com muito e na zona norte muita gente ajudou cada um com um pouquinho. Pode parecer estranho mas fico mais feliz com várias pequenas contribuições do que com uma grandona. Sinto que faço mais diferença, que estou sendo melhor acolhido por tantos ao invés de só por três ou quatro passageiros da zona sul.

Contado o dinheiro o jeito era encarar a volta e sem surpresa entrei nos vagões desertos. Pouca gente no primeiro um livreto vendido para um casal simpático, No segundo um par de idosas comprou os livretos também, no vagão seguinte fiquei de papo com uma linda loira de cabelos longos e unhas compridas e marmorizadas, ela queria levar o livro, mas não tinha mesmo dinheiro e acabou levando só o livreto.

Troquei novamente de vagão na estação São Cristóvão e era um vagão com apenas seis pessoas, um casal se beijando ao fundo, um jovem no seu Ipad, um senhor de idade de camisa vermelha e uma mulher de seus quarenta anos em uma forte crise de gripe. O casal não parou de se beijar, o jovem do Ipad pegou o livreto mas voltou a mexer no Ipad, o senhor recusou e a mulher pegou o livreto com um sorriso cansado no rosto. 

Caminhei pelo vagão esperando o tempo passar, vi que o jovem realmente não ia largar o Ipad por nada e a mulher quando me viu chegando perto perguntou se eu estava vendendo eu fiz que sim com a cabeça e sorri. Ela tinha guardado o livreto em sua bolsa e então o retirou e começou a lê-lo. Nisso chegamos a estação Cidade Nova onde entrou um par de meninas novas mas que recusaram o livreto em meio a um papo muito animado. Estávamos quase chegando na Central e peguei o livreto do jovem do Ipad, ele me entregou sem desgrudas os olhos da tela. 

Caminhei em direção a mulher que estava agora com uma cara bem melhor e disse: "Poesia faz bem né? Quanto custa?" eu como sempre disse que o preço era livre, que poderia contribuir como quisesse e ela começou a remexer na bolsa até que resmungando para si mesma "Só tenho cinco centavos" mas dai olhou pra mim com uma cara de iluminação e perguntou: "Você fuma um baseado?

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Vida


Vermes, em vossos ventres, vis vicejam
vão vagando famintos, verminosos
Vermes, em vossas veias, refestelam
virulências e vícios vultuosos

Vermes, que vos vomitam, vaticinam
vossa vontade vã e vossos vãos viços
virulentos, vazios, velhos que vingam
vagos vilões vilmente vos vividos

Venham ver, não vão passar d'uma aurora
vaga e vazia as vossas vastas vidas
num universo feito do inverso

Venham ver, vão passar num ir embora
voláteis visões das pessoas queridas
vagando voltando em prosa o verso



segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Noturno


toma-me com força
sou da chuva poça
de trocas veladas
e cartas marcadas

sonho que sou moça
de pele de louça
rara e bem cuidada
co'as roupas rasgadas

num toque faminto
por teus fortes dedos
nestes meus mamilos

mas, renego e minto,
seriam teus suspiros
nestes meus segredos?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Entre a Igrejinha e o Terreiro


De nascimento sou Mineiro
de comida boa com alho e sal
além de doces sem igual
mas vivo no Rio de Janeiro

Não eu num sei tocar pandeiro
surdo, bumba ou berimbau
Mas curto a onda de carnaval
do mêsdmarço inté Fevereiro

Eu larguei meus mares de montes
por mais um por-do-sol no cais
e versos com novo tempero

Vim dos mais belos horizontes
dessas minhas minas gerais
presse tão sacro pardieiro!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Era pra ser um soneto..


Todos os dias eu travo
uma batalha sem fim
com as palavras
e o que elas querem dizer

com o que elas dizem pra mim
com o que elas dizem pra você

domingo, 20 de janeiro de 2013

Análise literária do soneto "Poeta do Hediondo" de Augusto dos Anjos


O poeta que se intitula Hediondo nos versos deste soneto descreve com riqueza de detalhes o que se passa em seu corpo.  É uma seqüência de detalhes que se assomam num estado de desespero que parece sugerir verso a verso um colapso do corpo, um ataque do coração, um desfalecimento e até mesmo o prenúncio dos seus momentos finais.

Os sons dentais das consoantes "d" e "t" auxiliam a sonoridade do poema a se apresentar como o tema de morte que finalmente surge ao fim do poema. Freqüentemente esses sons se encontram inclusive em posição de destaque sendo as sílabas tônicas de cada verso. Esses sons ecoam ao longo do poema prenunciando a temática fúnebre da morte.

Composto por versos heróicos o poeta demonstra uma capacidade única de domar o ritmo dos polissílabos. Feito raro na nossa poesia tão afeita a tijolos pequenos, o poeta aqui constrói não com azulejos o seu mosaico de versos e sim um castelo de sólidos e pesados componentes. A escolha dessas palavras faz parte do objetivo frio e certo do poeta, de uma poesia de ângulos agudos, de palavras diretas, onde muitos poetas floreiam e rodeiam o poeta em questão é direto, objetivo, científico.  A agudeza de seus versos, o tamanho das palavras que escolhe e a maestria que consegue adequar tudo isso ao metro canônico é um feito hercúleo de raríssimas similitudes na língua portuguesa.

É impressionante a conjugação de concreto e metafórico que o poeta alcança ao tratar de descrever sensações tão viscerais, é impossível não senti-las de imediato ao ler o poema, impossível não sentir em seu peito como seriam essas aceleradíssimas pancadas que abrem o soneto.  Os termos complexos nos fazem sentir entre a mesa de cirurgia e a de autópsia. Um clima de agonia e conflito que não se resolve e apenas cria mais e mais tensão.

Na primeira estrofe temos um Algo que desperta o sujeito poético Algo que dispara as pancadas do coração por ameaçar sua própria vida tratada aqui como existência em seu sentido mais orgânico. A mortificadora coalescência pode ser vista como a própria morte quando o organismo cessa seus processos fisio-químicos que mantém o corpo em funcionamento, é quando todos os elementos do corpo passam a se movimentar para se tornar um só, voltar para a decomposição final uma única unidade de matéria.

E tal processo de morte descrito é causado por algo além do mero infortúnio, é a soma das desgraças humanas, mas não se trata de uma mera soma, é um somatório com fim, objetivo e função. A congregação das desgraças humanas é uma visão de que esses males atuam num processo escatológico, um processo destinado. Há um vaticínio, uma má sorte guiando essas desgraças a fim de resultar no fim do Poeta do Hediondo.

Na segunda estrofe, em seu primeiro verso, é retomada a idéia do coração que bate forte e intenso, são cavalgadas em seu peito que os desnorteiam, que o fazem alucinar. E justamente nesse delírio de agonia surge na mente uma consciência. Uma culpa de um misticismo cientificista que atribui as suas neuronas despertas pela agonia a capacidade de antever seu futuro.

Pela medicina de sua época uma Sonda em seu cérebro é decerto que post-mortem ou por si mesmo uma forma de morte. Com os versos que o antecedem compreende-se que é uma clarividência uma visão de seu futuro à mesa de autópsia. Tendo, inclusive um diagnóstico, um vaticínio sendo a sua causa mortis a mais hedionda generalização do Desconforto. Notando-se aqui um ponto importantíssimo no uso de maiúscula para gravar o desconforto, há uma entificação desse sentimento. Ele é tornado um personagem dessa história maldita. Algo que acompanhou a tanto o poeta que se torna por si algo além de um mero sentimento mas também um Ente de sua narrativa e quem sabe até seu verdadeiro Algoz.

A última estrofe do poema soa depois de sua agonia, morte e autópsia como se estivesse escrita na lápide do poeta. Uma lápide daquele que rejeitou ou não teve como ter para si o consolo do lirismo doce de seus predecessores, que não acreditou no descanso do Parnaso e nem conseguiu fugir para o mundo Onírico do Simbolismo. É uma estrofe que descreve bem seu poema, marcado pela tangibilidade absoluta da carne,

Não se trata aqui da mera pedra do caminho tão cantada por poetas portugueses e brasileiros.  Mas dos ossos, reais e inegáveis. Não há nesses versos de augusta qualidade a possibilidade de imediata abstração, são sim os ossos é sim, a inexorabilidade da morte que está presente. É uma poesia de um vivo que antevê sua morte, que a sente em cada parte de seu corpo. Que canta para ela em Desconforto em uma agonia que se presentifica verso a verso e que nessa última estrofe tenta escapar pelo seu reconhecimento.

O POETA DO HEDIONDO

Sofro acelerassimas pancadas
No coração. Ataca-me a exisncia
A mortificadora coalesncia
Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinarias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no rebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

(Augusto dos Anjos -  EU E OUTRAS POESIAS)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Danoso


Nas fotos eu a vejo
com um sorriso triste
de quem se faz tão feliz
quanto todos querem

Não sei mais o que bate
por sob seus belos seios
na camisola negra de dormir
nem se tem sonhos ou desejos

Sei que ela no seu quarto
ainda guarda o violino
que lhe dei com carinho

E dorme sobre sua cama
o urso de seu tamanho
escrito "Te amo" nos pés

domingo, 6 de janeiro de 2013

Ela


Vazio, medo, desamparo sem par
entre cacos das louças, panos, pratos...
tateia procurando o próprio lar
seguro e sadio do porta-retratos

Vela não encontra mas já sem ar
segura a lâmina tal amuleto
jeito perfeito de presentear
a sua dor com amargo sofrimento

Vaga, sozinha, perdida e estranha
seus olhos são um caudaloso rio
e queima frio seu coração e entranha

Vai segurando a faca pelo fio
morde sozinha uma raiva tamanha
que machuca seu lábio tão macio

Juventude


Voz um pouco rouca, 
não fique sozinha, 
com essas garrafas, 
de vinhos sem safras. 

a tua linda boca, 
que não é só minha, 
beija o corpo meu, 
que não é só teu. 


Obs: Poema de minha autoria publicado originalmente no Poesia Formada em 2004. Redescoberto por encontrá-lo sem autoria num blog qualquer, gostei muito dos versos até perceber que eram meus! Parafraseando meu mestre Quintana: "Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos."

sábado, 22 de dezembro de 2012

Nutrição


picotei minha camisa
e fiz um suco de manga
ficaram fiapos de pano
grudados entre meus dentes

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Hai-kais Eróticos

Hai-kai é uma forma de poema de origem japonesa que consiste em três versos que formam uma imagem. O primeiro e o último versos são em redondilha menor e o verso do meio em redondilha maior. É incrível como apesar de serem línguas tão diferentes o português e o japonês possuem estruturas poéticas bem parecidas. Segue abaixo uma coletânea de hai-kais de temática erótica.

*
pois toma cuidado
senão um malvado lhe pega
saiu sem calcinha
*
arteiro fedelho
que pela janela espia 
a sua irmã no banho
*
menina direita
beija o namorado
com sabor do amante
*
sua mão no meu sexo
minha boca em seu mamilo
cinema vazio
*
leite condensado
tão quente, doce e salgado
derrama na boca
*
na ponta do lápis
formam as curvas das coxas
e o risco do sexo
*
ela faz a chuca
prontinha pro namorado
que então só lhe chupa
*
estocada forte 
mordidas e cicatrizes
não são pra aprendizes
*
todo mundo gosta
caralho, buceta e cu
de ao menos um

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O mito do talento artístico e a valorização do artista.




O quanto o conceito de arte enquanto dom atrapalha a percepção que nós temos do artista enquanto um sujeito que trabalha e merece ser remunerado pelo que faz?

Quando pensamos que o que o artista faz é um talento inato e que dispensa um esforço, estudo e treino passamos a considerá-lo como inferior e distinto das outra ocupações vistas como dispendiosas, cansativas e até sofridas. 

Conseguimos enxergar o suor na testa do pedreiro, os anos de estudo de um advogado, as olheiras de plantão após plantão do médico. Mas o artista cujo trabalho passa por fazer com que sua obra soe natural, fluida, leve e de certo fácil é bem mais difícil enxergar as noites em claro do poeta com seus versos, a dor da bailarina que sorri enquanto dança, os ensaios exaustivos do ator antes do monólogo. 

Seja sob o palco, na moldura ou dentro do livro o trabalho do artista de encantar seu público parece bem menor quando colocamos a culpa daquela beleza em um talento místico, em uma virtude inoculada por uma musa inspiradora. 

Acredito que o conceito de talento inato é uma ficção muito perniciosa ao artista. Apesar de seu esforço muitas vezes dever ser escondido por questões estéticas na apresentação final da obra o mesmo não deve ser desmerecido e colocado como inexistente em virtude de uma "alma de artista" ou qualquer coisa que valha.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Diálogos que a gente vê por ai:

- O homem é o único animal que joga no bicho.

- Claro! O bicho não é burro o bastante pra jogar no homem!

domingo, 2 de dezembro de 2012

Ela, no espelho, sou eu


Pequenina e magricela
porém faminta como eu
tem um jeito de aquarela
que no pincel se perdeu

Pinta co's dedos a tela
dum jeito bem meu e seu
Assim bruta e singela
uma musa prum ateu

Sou narciso enamorado
por essa doce mocinha
que as vezes morre de medo

de ter o peito apaixonado
pela poesia daninha
que guardamos em segredo

Depois da aula