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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Década passada revisitada

Dourada taça sobre meus estudos
quebra-se vilipendiada e o sol
inda tarda deixando-me só e mudo,
feito terra no centro dum atol.

Me sopra seu sabor, sorrateira succubus
me mistura o dourado e doce do álcool.
Sinto o sonho perdido entre apuros
sou eu barco em mar ermo sem farol?

Suspendo-me: profano ou divino?
já os cacos eu recolho numa lâmina,
de abrir cartas, reluzindo prata;

na mesa os versos tingidos de vinho
e dentre ouro e prata, duma infâmia
brota a gota de sangue insensata...

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Flor de esquina

De terno branco, bem cortado, caminhou pela rua, como se fosse me atravessar, suspeitei que ele sequer me via, mas olhou-me nos olhos, passeou pelos meus cabelos, desceu por meus lábios e enquanto sorria me secou o decote. 

Desviou, flanou, sem perder seu sorriso. Senti seu perfume, dama da noite. Distante atendeu o telefone: "Oi amor, não paro de pensar em você!" Disse, tão sincero, que duvidei da lembrança de sentir seus olhos sobre mim.  Poucos passos depois, eu nem sabia mais aonde ia. Contrariando-me, virei-me para vê-lo.

Decerto que pela indecisão só vi seus sapatos, polidos, na esquina e eu, no meio da rua, girei para alcançá-lo. Cheguei e só vi aquela flor com a bala mordida nas pétalas. Venci a vergonha, cheirei e era o mesmo perfume. A meia bala, com sua saliva. era para mim.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Esculpida pois sim, eterna porém.

Orgulho de seu escultor. Ela, estátua de mármore, bela, belíssima e, também, muito emotiva. Mas sempre, sempre, impassível, insensível no reter de suas lágrimas. De fato, esforçava-se para contê-las, como um dique, suportava dor, angustia, desespero como se nada fossem.

Obstinada, calava tudo. Não se demovia pela ofensa proferida por um bêbado, nem por uma criança que lhe escalava tal mangueira em pleno verão, nem corava o rosto por um casal afoito que lhe usava de beco escuro, sequer via o sem-teto que fenecia aos seus pés pelos rigores do inverno. E nem mesmo um pedido de casamento lhe afetava os olhos.

O motivo? Seu peito de mármore guardava a razão: eternidade. Afinal suas lágrimas ácidas, caso irrompessem de seus olhos, esculpiriam sulcos profundos, tal leito de rio, em sua face e desaguariam no lago de seus lábios. Dolorido? Sim, mas eterna porém.


terça-feira, 25 de julho de 2023

Escolástica

Ela não teve um primeiro amor no jardim de infância, não paquerou dentro da escola, no colégio, não cultivou amores platônicos pelos professores.
 
Entretanto, era zelosa por seus livros, recolhia cada traça e lagarta da biblioteca e, uma a uma, as engolia inteiras.

Estava certa que não tardaria para, enfim, sentir o farfalhar de asas das tão faladas borboletas em seu estômago.

terça-feira, 20 de junho de 2023

Perdi

Eu perdi
        perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

os versos estão
na ponta da língua
lambendo meus molares
dançando nos caninos
procurando num canto
num canto qualquer
o resto do seu sabor

Eu perdi
        perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

aquele que lhe disse
jurado, extasiado
ao pé do seu ouvido
enquanto ainda sentia
o tremor de suas pernas
enquanto ainda ouvia 
o arfar de sua boca

Eu perdi
             perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

Estou aqui
como quem relembra o gosto do doce de sobremesa
horas após o jantar
eu não quero escovar meus dentes 
eu não quero pentear minha mente
na procura do verso perfeito
que lhe disse confessado e arrebatado

Eu perdi
         perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

Eu quero
quero o poema inteiro
pronto, perfeito e acabado
quero ele na minha boca
quero ele no seu ouvido
        quero
eu quero de novo o gozo que me fez poesia

domingo, 11 de junho de 2023

Prato Frio

Como deixar de cumprir
a promessa que você
fez pro seu eu do passado
num momento de rancor?

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Em azul

 


ESCREVORESCREVOESCREVORE
SCREVOESCVREVOREESCREVO
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SCREVOESCVREVOREESCREVO
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SCREVOESCVREVOREESCREVO
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EMAZULEMAZULEMAZULEMAZUL

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Composição

O poema deita-se 
e sobre ele a música
cavalga no pelo
e lhe faz piano
no toque uma nota
da pele macia
perfeito contralto 
língua e palato

A música cavalga
sobre o poema
geme ele barítono
arfa ela soprano
que quebra o verso
parte a partitura
sem qualquer pudor 
candura ou clave

Música e Poema
metonímia a dois
bemol sustenido
que bota no ritmo 
de quatro o compasso
alitera o si
escande seu sol
e ressoa sua rima

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Vale o risco

Qual escolha tem
a exibicionista
no meio do risco
se o seu público
lhe arranca do púlpito
morde seu púbis
lambe seu seio
agarra sua bunda 
e vira seu algoz

Devora a fome
sem nome ou voz
provoca a carne
geme e se entrega
pelo capricho 
do passo em falso
que torce seu pulso
põe de joelhos
e lhe faz beber 
cada gota merecida

Rebola plugada
lambuza seu cio
regojiza em vermelho
pra ser devorada
tomada no tato
de pelo com pele
atada no arremate
abate e gozo
feita puta vadia
acaricia a mão 
que lhe doma
em sua própria
casa e cama.

Sem hora na janela

Sonhava eu na janela entediada,
rezando baixo pro meu próprio santo,
de olho na rua tal quem não quer nada...
quando vi, tremi louca pelo encanto!

Então quis eu ser mesa para tantos:
comida, banqueteada e devorada
e mais, quis eu servir-lhes com meus prantos...
currada, laceada e arrombada!

Gabava-se ela, na matilha suja,
de falo em falo, vi aquela cadela 
latindo e sentia mia sineta rija...

Sofria? Era fato, mas a inveja
brotava no meu rosto e sem sobeja
eu babava pelos ganidos dela!


segunda-feira, 15 de maio de 2023

Passeio paraíso

Estou eu no paraíso:
dos dedos entrelaçados, 
na boca meu puro riso
e vestido bem florado.

Estou eu no paraíso:
do passaro e seu cantado,
com meu gemido bandido,
que me acabo e aterriso...

Estou eu no paraíso:
dos meus joelhos ralados, 
do meu ninho bem plugado,
onde tremo sem aviso!

Estou eu no paraíso:
dos meus passos bem contados,
no seu carinho querido,
que lhe lambo até seu piso...

Estou eu no paraíso:
do pescoço encoleirado,
do meu orgulho preciso,
que lhe dá todo cuidado!

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Cavalga-me

Cavalga-me! Do teu cavaleiro fiel,
será dama do lago ardente em corpo e véu.
Eu, afogado por ti:  cócix, virilha e ventre,
navego na saliva atrás, entre e de frente!

Cecília, noite toda úmida de teu mel...
dedilha, com amor, o cobiçado anel.
Enamorado, te faço um convite galante:
teu esfíncter ao redor de minha glande!

Trago goles de vinho adivinho teu ato:
que me fala e faz e no falo me fela
que deseja vadia meu dulcíssimo gozo!

Te faço no meu mimo um deleite e maltrato:
teu tremor, teu gemido e grito me celebra
na fome que fartado em ti enfim me repouso...

terça-feira, 18 de abril de 2023

Me toca

Ela  puxa pela vista
paro, penso e me pergunto
pela mais bela passante 
que Baudelaire jamais veria

Ela está aqui, nos trópicos
de outono tão quente
de verão quase infernal
aqui a passante é Preta

Ela seu piano toca 
numa multiplicidade
como alguém feliz que dança,
e brinca pronta pra próxima
 
Ela tem o tempo certo
feito de Poesia e Música
nas assonâncias e versos
co'a Melodia alinhavada

Ela é sim minha cidade
tão mais bela que Veneza
ou qualquer das muitas outras 
que conta e canta Calvino

Ela toda é Musa e Música 
Musicista? Não! Metrópole
cujo ser confunde bem  
meu estar co'encantos e acordes 




terça-feira, 4 de abril de 2023

Memória,

Tenho-te tentado
mas é que aí dentro
não cabe mais tanto
do quê já te coube
no peito ferido

Já não cabe nada
que só bate o tempo,
teu tempo, contado,
medido, preciso
e cronometrado.

Conta quanto tem
de tempo no tempo,
conta do relógio
quebrado no quadro
do retrato antigo.

Contempla o ponteiro
parado no tempo
a volta não feita
o atraso cobrado
marcado na seta

Tá, bate teu ponto
retira tua meta
nem tenta tua sorte
conserta na certa
ou mente que não 

segunda-feira, 27 de março de 2023

a velha, a lagarta, a caveira e a borboleta

A morte é vida
o fim, começo

O novo devora
o velho transmuta
num círculo sem
começo ou fim

E isso é belo

segunda-feira, 20 de março de 2023

Qualquer dia desses

Banho, cama, cerveja
dividiria fácil com você
qualquer um dos três

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

De gênia

Adoro seus dreads
por entre meus dedos
afago e me deixo
beber dos seus beijos

Adoro seus dedos
tocando meus pêlos 
que me faz piano
desses seus carinhos

Será essa poética 
feita corda e guia
de canção macia

Serei sua música
seu ritmo, cadência
de toda indecência
 


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Sátiro Selvagem

Sou seu sátiro selvagem
Sou seu sáfico sutil

Sou seu sátiro selvagem
salteando seus sonhares
Sou seu sátiro selvagem
sim, sou solitário sábado
Sou seu sátiro selvagem
safo, sade, sensualíssimo

Sou seu sátiro selvagem
Sou seu servo sadeano

Sou seu sátiro selvagem
serpenteando sepulcros
Sou seu sátiro selvagem
sombrios, sutis soluços
Sou seu sátiro selvagem
sem sorriso satisfeito 

Sou seu sátiro selvagem
Sou seu sulfi salivante

Sou seu sátiro selvagem
salivando sensuais
Sou seu sátiro selvagem
sanhas sofregas sativas
Sou seu sátiro selvagem
seduzindo assim seu sexo 

Sou seu sátiro selvagem
Só sou somente sou sempre
sem sutilezas sou só 
só seu sátiro selvagem 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

bucólico

Você acha que rola
de trocar o seu mamilo
por essa acerola?

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Na copa, cozinha ou quarto

Quisera eu ser seu Brasile
 você minha Coreia
e no deserto, num ato
lhe meter de quatro

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Pós foda é foda

Pós foda é foda
mandei no zap a real

é que meu pau
já tá com saudade 
do seu cuzinho

Paixão de pica é pica
nem fez um docinho

e o meu cuzinho
já tá com saudade 
do seu pau 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Haiquase 404

plantas de plástico
fazem fotossíntese
com luzes de led

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

PARA UMA DIALÉTICA DOS PRAZERES

Lhes tomo como um escultor e não 
como um pintor, pois não tenho eu
uma tela em branco, um terreno
baldio, sem vida. A minha lavra
é de pedra, com seus veios, ranhuras,
rachaduras e sua própria forma pede;

Pede por, uma nova forma, um novo
modo de cantar suas dores e feridas.
Envolvo, justamente, onde lhes sinto
os seus mais profundos fascínios.
Pois lhes testo as próprias defesas
e lhes ato em seu próprio gozo!

Para as que desejam a prisão;
cordas, algemas e amarras.

Para as que anseiam a humilhação;
abusos verbais e ordens públicas.

Para as que tremem na dor;
meus chicotes e meus tapas.

Para as sensoriais, meus pés;
minha venda e minha vela.

Para as que tudo é pouco;
o meu nada e nada mais! 

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Poema retirado das mensagens do zap

a ninfo me confidenciou:
mamei um peão meses 
atrás no terreno baldio

Ele
trombei com ele 
numa rua escura
nos olhamos
e saí andando

Delicioso
de uniforme e coturno
indo pra casa
vindo da fábrica
o fdp tava delicioso

Negão
Não teve nem diálogo antes
ele entendeu e veio atrás
sentindo o cheiro do meu cio
fomos parar num mato

Pentelhudo
cheirão gostoso de pica 
me matando de tesão
tirei o leite dele
todo na minha boca

Poema Autoral

No Brasil de cada 100 poetas que publicam
96 morrem sem viver dos 10% pagos pela editora

No Brasil 
de cada 100 poetas que publicam 
96 morrem sem viver dos 10% pagos pela editora

No Brasil
de cada 100 poetas
que publicam 
96 morrem
sem
viver dos
10% pagos pela editora

sem viver dos 10% pagos pela editora
sem viver dos 10% pagos pela editora
sem viver dos 10% pagos pela editora
sem viver dos 10% pagos pela editora 

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Alusivo

Ah ela, a tal língua 
que lhe lambeu 
loucas maledicências 
de loucuras, malfeitos, 
malfados e maldades

Ela, língua, logrou 
eloquente êxito
e meu lirismo 
está de luto

Não lhe olharei linda
meus olhos são lágrimas
cada cheiro cada palavra
de seus lábios vermelhos 

censuro meu verso
censuro os sonhos
vejo os demônios
que nos deram 
num buquê de flores
é primavera!

Você reluz
meu amor
meu gesto
meu ato
mas não
não mais
nada

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Também é poesia

Quanta angústia cabe
dentro dum poema
Cada dor num verso
Cada drama numa estrofe

Mas o quanto de verdade
Eu lhe confesso em verso
Eu lhe confio em prosa
e quanto goza meu martírio
daquilo que não digo?

Carrego culpas tamanhas
temperadas com sonhos
desfeitos pelos meus erros
não preciso do seu dedo
em riste acusando tudo
tudo aquilo que sei
e já cansei de me mentir

Já não leio como lia
páginas e mais páginas
madrugada a dentro
porém, pro meu tormento, eu não durmo
passo em claro em silêncio
sem urro no meio da noite
guardo a dor bem guardada
num prateleira de mágoa e melancolia

Será que um dia eu esqueço
dessas culpas que só eu sei
e passo o bastão desalmado
prum desavisado mais romântico?
Será que um dia eu esqueço
de carregar esses ossos
e guardo num armário
como todo mundo?

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Faço música de sua letras

Oh...  quanto delírio 
que quando lhe penso 
deságuo eu no intenso
toque que dedilho

tal meu instrumento 
que os dedos eu trouxe 
pro seu sexo doce
que inunda sedento

jorra feito fonte
de sujos pecados
numa imunda mente

De anjos safados
que gozam defronte 
o meu dedilhado 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

no colo

de bruços
plugada
levando
palmada

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Cecília Filósofa

Saiba: nem tudo vem dos descaminhos,
porque também há os vícios dos vinhos.
Afinal, nem o mundo é só impurezas...
também competem muitas malvadezas!

Saiba, nem serão sempre esses espinhos...
há ferrões nos melhores dos caminhos.
Pois que nem tudo é sempre uma tristeza,
sobra também tais fomes e pobrezas!

Pequena, são mazelas da virtude,
das que infligem tormentos amiúde,
dignas de quem só o bem deseja e faz,

Sei que admira esses bêbados devassos,
amantes, libertinos, cordas, laços 
tudo querem assim mais que demais