Sr. Personna, o que trazes pra mim?
Diário de bordo do Poeta Sobre Trilhos
Publicação em destaque
Poeta e apenas poeta
Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...
terça-feira, 12 de novembro de 2024
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
QUADRILHA MEXICO-SOVIETICA
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Veneno antigo
Esse frasco de cicuta
são as promessas que fiz
pra mim mesmo sem saber
que matariam devagar
meu eu, meu sonho e sentido
pouco bem pouco por vez
Não sei se sei dizer quantas
promessas ainda carrego
por zelo como amuletos.
Quebro com carinho,
dos cacos faço um mosaico
pra luz entrar sem perigo
Não sei dizer porquê ainda honro
e prossigo na vingança
silenciosa contra meu passado
Quebro, enfim, a caixa preta
e hasteio bandeira branca
pra mim pois não há inimigos
Eu sei bem daquelas tantas,
que jurei só com meu pranto,
por dores hoje esquecidas
Quebro em silêncio e grito
o que me prende ou afasta
do meu sonho e meu sentido
Dos crimes sem ser culpado
carrego essas juras cúmplice
e penitente as mantenho
Quebro essas minhas correntes
Com o formão e o martelo
pra esculpir a liberdade
terça-feira, 22 de outubro de 2024
Sinto
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Prelúdio
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
História dos livretos Poeta Sobre Trilhos
domingo, 6 de outubro de 2024
quarta-feira, 2 de outubro de 2024
segunda sem motivo
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
O belo como moldura da violência
domingo, 15 de setembro de 2024
Xepa
Sempre fui da xepa, da promoção e da pechincha, comprei meu coração na barraca de um e noventa e nove.
Porém meu peito e pulmão, pobres e expropriados, fizeram fiado. Eles penduraram a conta pra minha garganta pagar sob protestos.
Por solidariedade a boca fez greve não queria o novo e vermelho inquilino: piquete montado, dentes trincados...
Mas a mão furou, pelega, não era de esquerda. Furado o piquete o coração caiu na barriga, burguesa, de tão gorda se fez de sonsa e não quis devolver, foi briga das feias, minhas velhas veias tiveram que intervir:
GREVE GERAL e o general da cabeça, prefeito não eleito do meu corpo, entrou em febre, uma convulsão social. Reintegração de posse, biles, vômito e rebordose, mitocôndrias em pânico ouviam a internacional!
Eu feito latifúndio improdutivo, fui numa noite tomado por uma princesa socialista, que encampou meu corpo, pôs meu coração no peito, deu um jeito nos grevistas e botou de regime minha barriga.
E todos, em todas as partes, pedaços, ossos, órgãos, células, culturas bacterianas e tártaros superbacanas puseram abaixo a superestrutura.
Era a revolução e, de agora em diante. Todos, todos teriam o direito, Inalienável, ao pão, à poesia e... é claro, aos beijos dela.
segunda-feira, 9 de setembro de 2024
domingo, 8 de setembro de 2024
Écfrase Alexandrina
sábado, 31 de agosto de 2024
Coreto liberdade
não fique sozinha,
com essas garrafas,
de vinhos sem safras.
sua linda boca,
que não é só minha,
beija o corpo meu,
que não é só seu.
quinta-feira, 29 de agosto de 2024
Cyberpunk em 5 palavras:
quarta-feira, 28 de agosto de 2024
Vestido azul
domingo, 25 de agosto de 2024
Poeta,
só empilhar
palavras
não se faz
poesia.
sua prosa,
na vertical,
não se vira
um poema
só por isso.
não só leia,
ouça a voz
fale escute
o seu ritmo
verso é som
por favor,
só empilhar
palavras
não se faz
poesia.
quinta-feira, 22 de agosto de 2024
Sci-fi em 5 palavras:
I)
no céu a terra cintilava
II)
pálido ponto azul, nunca mais
III)
Rápido, siga aquele táxi voador!
terça-feira, 6 de agosto de 2024
Dos delírios e deleites
de lírios e copos de leite,
ele, dia a dia, regava,
gentil, os seios da amada
com o seu sêmen e saliva...
quinta-feira, 1 de agosto de 2024
Quarenta e sete segundos
é o ponto exato que eu ia se nisso
eu de fato pudesse crer tranqüilo
sem chance de galhofas ou de risos
Tranço e destranço as cordas do suicídio
como quem reza as contas de seu terço
num vício mui macabro e bem ridículo
e cada nó me vale um pé de verso
Pois não vou me orgulhar de ser ateu
você que tem um deus é mais astuto
co'amigo imaginário pra brincar
O que vai me esperar é qualquer breu
um grão-nada tão calmo, absoluto
que da música não posso reclamar
quarta-feira, 31 de julho de 2024
Prece para ti
De ter cada canto
De ti devastado
Numa fome e espanto
Quero ungir seu rabo
Com meu óleo santo
Pra levar a cabo
Seu orgasmo e pranto
Quero lhe causar
Deliciosas dores
Com prazer imundo
Posta em meu altar
De amarras e flores
Num jardim fecundo
quarta-feira, 24 de julho de 2024
O papel aceita tudo
sexta-feira, 12 de julho de 2024
Poeme-se
Poesia pra ser
cantada e vestida!
de pedras floridas
Poeme-se os trilhos
em lenta corrida
Poema é um nada
lotado de tudo
Poema é piada
de choro profundo
sábado, 6 de julho de 2024
Sete
sábado, 15 de junho de 2024
Virtuosa
sexta-feira, 14 de junho de 2024
Treze estrofes sobre trilhos
sábado, 8 de junho de 2024
Meu Doce
quinta-feira, 6 de junho de 2024
trova horizontina
sexta-feira, 17 de maio de 2024
Vês???
quinta-feira, 16 de maio de 2024
Poeticamente sádico
terça-feira, 7 de maio de 2024
terça-feira, 30 de abril de 2024
Coroa de Sonetos de Amor XV
segunda-feira, 29 de abril de 2024
Coroa de Sonetos de Amor XIV
domingo, 21 de abril de 2024
Coroa de Sonetos de Amor XIII
sábado, 20 de abril de 2024
Coroa de Sonetos de Amor XII
quinta-feira, 11 de abril de 2024
Coroa de Sonetos de Amor XI
quarta-feira, 27 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor X
[não!] não/ di/ga/ mais [na]da/ só o/ seu [sim!]
terça-feira, 26 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor IX
segunda-feira, 25 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor VIII
domingo, 24 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor VII
sábado, 23 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor VI
sexta-feira, 22 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor V
terça-feira, 19 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor IV
[são] as/ no/ssas/ lem[bran]ças/ que/ guar[damos]
[dos] mo/men/tos/ de [do]ce/ pa/de[cer]
[en]tre os/ len/çóis/ que/ jun/tos/ nos/ a[ma]mos
[lem]bre/ tam/bém/ que [já] fo/mos fo[der]
pra [i]sso/ no/ssos [pais] nós/ en/ga[namos]
dois [jo]vens/ to/da [tar]de /pra/ me[ter]
[e] men/tir/ por/ di[zer]: sim,/ es/tu[damos]
"Me[ni]na tão ci[o]sa" o/ pai/ di[zia]
e [nós] dois/ ex/plo[ran]do /a a/na/to[mia]
de [no]ssos/ cor/pos: [pu]ro/ des/pu[dor!]
la[tim], de/ri/va[ções] das/ ma/te[máticas]
[en]tal/pi/a/ na [fí]si/ca,/ gra[máticas]
e[ter]ni/da/des [são] de um/ só/ ca[lor]
quarta-feira, 6 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor III
terça-feira, 5 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor II
segunda-feira, 4 de março de 2024
Coroa de Sonetos de Amor I
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024
quarta-feira, 24 de janeiro de 2024
ré médio
segunda-feira, 15 de janeiro de 2024
deixa pra lá
Por toda a minha vida
Guardo lágrimas de mar
segredos de mal me quer
qualquer um pode ver
que só sou ser sem estar
Eu esqueci de te amar
não mais que um segundo
fui vil, roto, fui imundo
fiquei sem ti, sem meu par
Guardo lágrimas de mar
só sou o que já passou
eco, apito de navio
praia de se naufragar
Eu esqueci de te amar
por apenas um instante,
mas isso foi o bastante
pro meu lamento chorar...
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Devoro
terça-feira, 9 de janeiro de 2024
quarta-feira, 27 de dezembro de 2023
Glauco Mattoso, dos olhos ao ouvido: uma análise da poética concretista e sonetista do autor.
Um livro de poesia na gaveta não adianta nada
Lugar de poesia é na calçada
Sérgio Sampaio
Introdução
Pedro José Ferreira da Silva. Mais conhecido como Glauco Mattoso é, em seus próprios termos, poeta, ensaísta, ficcionista, pós-maldito, pornosiano, barrockista, deshumanista, anarchomasochista, pós-maldito. Figura fácil nos espaços de contracultura da cidade de São Paulo e também presente na letra da canção "Língua" de Caetano Veloso, tem uma extensa e profícua produção literária em formas e estilos diversos. Com romances-pastiche, como a Planta da Donzela, com o JORNAL DOBRABIL, com seus milhares, sim milhares, de sonetos, Glauco é uma figura emblemática da poesia contemporânea brasileira, desde os anos 60 até os dias atuais. A obra de Glauco Mattoso é um verdadeiro desafio para os estudiosos dos campos literários e artísticos, uma vez que abrange uma pluralidade estilística curiosa, indo da poesia visual à produção musical. Além disso, seus discursos transgressores, que abordam temáticas constrangedoras e linguagem obscena, tornam a análise de sua obra ainda mais complexa.
As produções de Mattoso, JORNAL DOBRABIL e Melopeia, são díspares no tempo e estilo, tendo, em comum, a cidade de São Paulo como seu espaço de criação. Em comum também há a variedade de temáticas e inspirações, indo da filosofia ao fescenino, do poema-piada ao poema-protesto, passando por ironias, galhofas, toda sorte de provocações que tornam sua poesia de sabor intenso e, às vezes, deliberadamente indigesta. Como recorte, podemos analisar sua transição de pseudônimos que, nas primeiras edições do JORNAL DOBRABIL, se apresenta como o assonante Pedro, o Podre, e caminha para a autoironia de Glauco Mattoso, em alusão ao glaucoma que lhe tirou a possibilidade da poesia concreta e lhe enviou aos braços de Gregório de Matos e seus sonetos cuja temática Glauco sempre louvou em suas próprias obras.
Os jornais DOBRABIL são um conjunto de obras lançadas pelo autor nos anos 70 do século XX. Nestes trabalhos, que emulam o formato de um jornal tradicional, o autor insere sua poética concretista usando os caracteres de uma máquina de datilografia para formar seus versos, sua prosa, seus poemas concretos e também toda a diagramação dos seus jornais, ou seja, margem, fontes, tipografia e tamanho de letra, tudo é composto apenas pelos caracteres de uma máquina de escrever. Cabe destacar que a inserção da poética concretista, nos jornais DOBRABIL, representa uma importante contribuição do autor para a renovação da poesia brasileira nos anos 70, conforme assegura Haroldo de Campos ao dar a Glauco o epíteto de Poeta do Asfalto em seu livro Poesia Urbana.
O álbum Melopéia é uma obra de Glauco Mattoso lançada no início da primeira década do século XIX, obra em que Glauco convida diversos artistas para interpretarem seus sonetos através da música. São escolhidos músicos das mais diversas vertentes, como o punk rock da banda Inocentes, o funk de DJ Krâneo, o escárnio de Falcão, o concreto de Arnaldo Antunes, o existencialismo de Humberto Gessinger, o punk brega de Wander Wildner e até mesmo o soprano de Edson Cordeiro, entre outros que caracterizam esse álbum como "Uma antropofagia, até sadia, / tornou a nossa música salada / de fruta, nacional ou importada" como canta Tato Fischer, tecladista dos secos e molhados, na faixa inaugural do álbum.
Importante explicitar como a obra de Mattoso é afetada pelo desenvolvimento do glaucoma, como, ao abraçar sua cegueira, o poeta se aferra aos sonetos isométricos, retorna a uma poesia calcada na sonoridade, no ritmo e na eufonia dos versos. É este evento que, ao tornar-se crônico, volta toda a genialidade do autor, antes posta na concretude dos seus versos, para os elementos do som. É interessante ainda perceber que a forma conecta esses elementos da poética do Pedro, o Podre até o Glauco Mattoso. Em seu Soneto 241 Ensaístico, cantado na Melopéia por Wander Wildner, o poeta demonstra seu reconhecimento por sua fase inicial “Chamemo-la de fase iconoclasta, / à minha poesia antes de cego. / Pintei, bordei. Porém não a renego.” para então dizer o motivo de sua guinada: “Forçou-me a invalidez a dar um basta.” e apresentar sua nova fase “A nova não é casta, nem contrasta / com velhas anarquias. Só me entrego / ao pé, onde em soneto a língua esfrego. / Chamemo-la de fase podorasta.” em que conta como, apesar da aparente distância, ainda há conexão entre suas fases à primeira Iconoclasta e a segunda Podorasta. Esta segunda ele concilia com a primeira ao dizer “Mas nem por isso é menos transgressiva. / Impõe-se um paradoxo na medida / da forma e da temática obsessiva” e, como chave-de-ouro, seu último verso é “Ao cego, o feio é belo, e a dor é vida.” em que o contraditório entra em harmonia através de sua poesia. O paradoxo de sua produção poética é parte de sua conciliação e une, nos seus próprios termos, a forma do poema concreto com a forma do soneto. E demonstra que é possível expressar-se dentro do crivo da forma em objetos poéticos que podem ser visuais como uma estrutura de concreto ou sonoras como aquelas de um cego aedo grego.
Capítulo 1: Fase Iconoclasta
Chamemo-la de fase iconoclasta,
à minha poesia antes de cego.
Pintei, bordei. Porém não a renego.
Forçou-me a invalidez a dar um basta.
JORNAL DOBRABIL
A fase iconoclasta do autor, tem na profusão das edições do JORNAL DOBRABIL1 o seu ponto de inflexão, ilustrando ali suas principais manifestações poéticas, políticas e estéticas. Posteriormente, o autor rememora essa fase no Soneto 241 Ensaístico. 2 Em seu quarteto inicial o soneto revela a autodefinição do autor como iconoclasta, alguém que desafia e destrói os padrões estabelecidos pela sociedade. Os versos “Chamemo-la de fase iconoclasta, / à minha poesia antes de cego. / Pintei, bordei. Porém não a renego. / Forçou-me a invalidez a dar um basta” expressam a atitude rebelde e transgressora do autor em relação à sua própria poesia. Mesmo na iminência de perder a visão devido ao glaucoma, ele não renega seu estilo e suas experimentações.
“Chamemo-la de fase iconoclasta”, o próprio autor assim a chama e é bem propícia tal afirmação, afinal, em sua produção dessa época percebe-se que o auto publicado JORNAL DOBRABIL se marca pelos heterônimos diversos atuando em diálogo, conflito, crítica e em registro marcante do momento, histórico, que o autor vive sua poesia antes de cego. Seus heterônimos poderiam muito bem cantar “Pintei, bordei. Porém não a renego.”, pois, durante os anos de chumbo da ditadura militar, as edições do jornal são, em suma, sua forma de protesto, sua militância artística, poética, estética e política. Neste período, as edições do jornal se tornam, em essência, uma forma de protesto e uma expressão de sua militância.
Dentro das páginas do JORNAL DOBRABIL, através do seu Manifesto Coprofágico 3, há um discurso que permeia seus heterônimos e os evidenciando em sua referência ao Manifesto Antropofágico 4 de Oswald de Andrade, travando uma guerrilha poética contra os poderes estabelecidos pelo golpe de 1964 e seus apoiadores na imprensa, revistas e na sociedade em geral.
Ainda na década de 1970, o poeta encontra na Arte Postal uma maneira de contornar a vigilância imposta pelos militares, adotando uma abordagem artesanal para a produção independente. A proliferação de revistas literárias na época inspira Glauco Mattoso na criação de sua obra - o JORNAL DOBRABIL. Durante as décadas de 1970 e 1980, ele reside temporariamente no Rio de Janeiro, onde ganha notoriedade na marginália literária ao editar o fanzine "anarcopoético" intitulado JORNAL DOBRABIL, um trocadilho com o Jornal do Brasil, que era então o jornal mais influente no Rio de Janeiro. Ao satirizar o Jornal do Brasil, o DOBRABIL vai além da mera paródia do nome, trazendo uma abordagem irreverente à poesia criada pelos heterônimos do autor, cujos destinatários eram cuidadosamente selecionados.
No JORNAL DOBRABIL, destaca-se não apenas o conteúdo com temas irreverentes, mas também a reinterpretação da antropofagia. Mattoso publica seus manifestos Escatológico5 e Coprofágico nesse veículo, reinterpretando a antropofagia oswaldiana sob o título de coprofagia, que envolve a reapropriação do que é excluído ou rejeitado culturalmente. Os poetas da época não visavam apenas estabelecer uma vanguarda literária tradicional; seu propósito primordial residia na oposição às circunstâncias políticas, morais e, sobretudo, artísticas prevalecentes. Mattoso adota uma posição contrária ao ideal de beleza, deliberadamente expondo uma linguagem transgressiva em seus manifestos. Seu vocabulário é repleto de palavras censuráveis pelos valores morais da sociedade em que se insere. Trata-se de um abandono estético dos padrões estabelecidos, questionando a necessidade de uma poética com palavras suavizadas e eufemísticas, em vez de termos que dizem explicitamente o que pretendem. Trata-se de um abandono estético dos padrões estabelecidos que questiona a necessidade de uma poética de palavras suavizadas, eufemísticas, de termos que aludem com vergonha de dizer o que querem de fato.
Ao longo do JORNAL DOBRABIL há um desfilar profícuo dos heterônimos de Pedro José Ferreira da Silva. Cada qual com sua própria persona, estilística e temática favorita. Pedro, o Podre compartilha as páginas, colunas e pautas do jornal com Pedro, o Glande, Pedro Ulysses Campos, Garcia Loca, Billy Lyra, Glauco Espermatoso, Pedravski, Pedro Pedra, Puttisgrilli e o próprio Glauco Mattoso. Interessa salientar que cada um assume funções editoriais que lhes são próprias, quais sejam, redator, editor, colunista, leitor, anunciante etc.
O que se pode chamar de seu projeto estético reside na meticulosa construção da persona literária de Glauco Mattoso, que confunde o leitor ao misturar aspectos de sua vida privada com seu universo ficcional. Isso permite uma leitura interpretativa que considera a figura autoral como um heterônimo, semelhante às instâncias literárias criadas no JORNAL DOBRABIL e em outras publicações que marcaram seus primeiros passos na carreira literária.
Segundo Ana Paula Aparecida Caixeta (2018), nós podemos recorrer a Fernando Pessoa (2012), que descreve a heteronímia como a criação de um "autor fora da pessoa", uma individualidade completa fabricada pelo próprio autor. Mattoso, por sua vez, apresenta uma notável proliferação de heterônimos, como "Pedro, o Podre" e "Pedro, o Glande", que desempenham diferentes papéis no JORNAL DOBRABIL. A repetição desse gesto criativo sugere uma possível revisão da ideia de que Glauco Mattoso seja apenas um pseudônimo. Seu apego aos discursos auto escarnecedores e à brincadeira com nomes próprios por meio de trocadilhos e personificações reforça a construção ficcional de sua identidade literária, indo além de um mero espaço para confissões pessoais.
Outrossim há um jogo com as distintas consciências literárias de seus heterônimos é uma constante ao longo da produção literária de Mattoso, sendo especialmente evidente em "Pedro, o Podre", satírico e fescenino, no JORNAL DOBRABIL. Em uma de suas publicações, Pedro, o Podre deixa claro que “cagar é um ato político”6 colocando assim a escolha manifesta pela coprofagia como tema central dentro da obra de Mattoso. O Podre é responsável pela parte mais chula e iconoclasta do jornal, enquanto Glauco Mattoso desenvolve poemas mais elaborados e de temáticas diversas. Embora haja essa distinção, não existe uma divisão clara entre os versos concretos, experimentais e humorísticos, pois ambos os estilos coexistem no JORNAL DOBRABIL.
Segundo João Maria Freire Alves (2015), em sua tese, seu principal heterônimo artístico, Glauco Mattoso, alude à sua cegueira e marca sua própria literatura, Mattoso, atravessa suas obras literárias com tantos outros heterônimos, especialmente na fase de escrita no JORNAL DOBRABIL. Entre eles estão Pedro, o Glande, Garcia Loca (com os quais assina seus dois manifestos mais famosos: Manifestivo Vaguardada e Manifesto Coprofágico), ‘Pedro, o Podre’, Glauco Espermatoso, Pedravski, Puttisgrilli, e o próprio Glauco Mattoso. Dentro da estética mattosiana, cada heterônimo possui identidade própria que, porém, não deixam de ser versões do próprio autor. Os limites distintivos entre os heterônimos e o autor são ambíguos e permeáveis. Convém notar que, dentro dessas miscelâneas de alcunhas, nomes e heterônimos o próprio Pedro José Ferreira da Silva, inexiste enquanto signatário dos textos literários. São esses heterônimos que ocupam todo o espaço autoral, não sobrando ao Pedro original qualquer espaço para assumir um papel autoral dentre os tantos que assinam suas obras.
A coprofagia, elemento central do JORNAL DOBRABIL e da maioria de seus escritos, é definida por Glauco, como uma releitura escatológica da antropofagia. Segundo Glauco Mattoso, ela representa a linguagem vulgar, inspirada em suas leituras, parodiada e transportada para o papel por meio de sua máquina de escrever, com a datilografia definindo o formato tipológico do JORNAL DOBRRABIL.
Coprofagia esta que é uma ação abjeta que faz parte do discurso da "merda" e representa uma sátira à antropofagia oswaldiana, que aglutinava elementos culturais alheios para criar uma cultura própria. Na visão de Mattoso, a coprofagia é um processo de recolhimento do que foi culturalmente excluído, representando literariamente a mistura e a influência direta do que é lançado ao autor como uma forma de apropriação do discurso e da criação do outro.
É no JORNAL DOBRABIL que os manifestos coprofágico e escatológico são publicados, estabelecendo uma ligação direta com o manifesto antropofágico oswaldiano. A cegueira que atinge Mattoso e sua fixação na podolatria, que compõe a narrativa de seus desejos íntimos e fetiches, desempenham um papel fundamental na construção de sua poética escatológica. Antes de perder a visão, o poeta recicla de forma jocosa a antropofagia oswaldiana, reinterpretando-a por meio do conceito de coprofagia. Este processo representa a valorização de atributos muitas vezes negligenciados no contexto formal do universo erudito.