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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A fé da ciência

Lucas C. Lisboa

Qual é a linha tênue que separa a fé da ciência? Quando um conhecimento vira mero misticismo e deixa de ser a verdade para um povo? O método científico guarda em si muito do modus operandi da própria experiência mística.

Dizem que o que os distinguem é o dogmatismo. Quem diz isso decerto que não conhece os debates acalorados dos medievais sobre questões e minúncias teológicas, sobre formas lógicas e todo o rigo que pode chegar o estudo das verdades pré revolução científica.

Além disso, dizer que a própria ciência é livre dos perigos do dogmatismo é uma falácia sem tamanho. A comunidade científica é lenta como um estegossauro quando se trata de revoluções, de mudar seus paradigmas. Um cientista que diz que todos os cisnes são brancos, ao se deparar com um cisne negro, prefere batizá-lo de visne a mudar sua teoria a respeito da hegemonia do branco nos cisnes.

Antigamente aqueles que buscavam a verdade subiam aos montes, trajando mantos ornamentados, se entorpeciam com ervas e cânticos e de lá traziam as respostas do universo. 

Hoje aqueles que buscam a verdade se trancam em laboratórios, trajando jalecos brancos com o crachá do lado, se entorpecem com café e cálculos e de lá trazem as respostas do universo.

Se antes a fala do sarcedote era a lei divina, hoje quando o senhor de jaleco branco  diz sobre algo é a divina ciência que está proferindo seu veredicto que deve ser seguido à risca sob pena de incorrer na ignomia de seguir crenças "irracionais" da mesma forma que outrora eram condenados ao inferno quem adorasse falsos deuses.

O homem tem uma necessidade tão forte de se afirmar dentro de um paradigma, qualquer que seja ele, que se arroga no direito de cientificisar a  religião e imprimir de fé a ciência. Na nossa era tecno-científica os sarcedotes, portadores da verdade, usam jaleco branco.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Aos leitores adormecidos nos trilhos

Lucas C. Lisboa

Dentro do vagão seguem assentadas
umas dezenas de almas entediadas
Eu, poeta, resgato tais leitores
com meus versos de riso humor e amores

Eu deixo novamente se encantadas
com as letras de minhas mil rimadas
e são pessoas que esquecem das suas dores
com poemas de tantas belas cores

Vejo a imaginação viajar de quem
não lia nada que não fosse colégio
ou faculdade que mandasse ler

Se me pagam com cobre ou vintém
digo que muito mais me vale o régio
prazer duma leitura reacender

terça-feira, 12 de julho de 2011

Poeta sobre trilhos

Lucas C. Lisboa

Ela diz que sou vadio
por viver de poesia
sequer respondo só rio
por ser tudo q'eu queria

terça-feira, 5 de julho de 2011

Análise Literária do Poema de Sete Faces de Carlos Drummond de Andrade

Lucas C. Lisboa

O “Poema de Sete faces” de Carlos Drummond de Andrade foi publicado pela primeira em seu primeiro livro “Alguma Poesia” de 1930. É um poema composto de sete estrofes, faces. Que mostram um aspecto da percepção de mundo do autor. Passeia por diversos temas como quem está em um bar vendo a vida passar e comentando do que vê, pensa e sente. É um poema em verso livre mas que possui uma unidade ritimica ditada pela cadência da oralidade. Tem em sua maioria versos brancos e a rima quando ocorre não é acidental ou formal mas um elemento acessório ao conteúdo. Trata-se de um exemplar de estilo típico de sua obra onde mistura muita oralidade a eruditismos pinçados em pontos estratégicos para o entendimento do texto.

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

Em sua primeira estrofe o poeta se insere no poema e declara-se parte de um mundo torto. Carlos insere-se no poema ao dar seu próprio nome ao eu-lírico. E declara-se parte de um mundo torto quando o próprio anjo declara que ele e Carlos estão fadados a terem o mesmo destino pois ele anjo torto o declara fadado a seguir o caminho "gauche" na vida. Gauche, que em francês é aquilo que não é direito, o esquerdo e, por extensão, aquilo que é torto. Tal anjo torto vive na sombra, um anjo que foge do calor do sol dos trópicos, um anjo que traz consigo o sentimento de que o jeito mais fácil, mais simples mais cômodo é melhor que o jeito direito. A primeira estrofe é uma face de identificação de Carlos Drummond de Andrade com seu mundo, com sua realidade e sua brasilidade.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

Ampliado sua visão para fora do seu eu Carlos, observa a cidade onde até as árvores são testemunhas dos desejos humanos e como esses desejos tão intensos conseguem por fim até mesmo ao azul do céu. Afinal, a tarde teria um céu azul se não fossem as ganancias e cobiças humanas que enegrecem o céu com suas fumas de cigarros e carros pois um homem para conquistar uma mulher precisa ostentar-se precisa sujar o mundo e fazer-se brilhar para que sua corrida não seja em vão.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

Para além dos desejos dos homens há a coletividade, há a massificação de pessoas, transporte em massa, gente que perambula de um lado para o outro, gente brasileira de pernas de todas as cores. O comentário do poeta "Para que tanta perna meu Deus" é ambiguo e pode ser interpretado num porquê tanta variedade de cores e de etinias mas também em um sentido mais forte no porque de tantas massas. Mas é o coração que julga, coração que tem medo, que tem receios que pensa e julga o outro. Os olhos preceptores da razão apenas analisam, não há dúvidas para o mundo mecanizado da razão pela qual os operários, os trabalhadores de um transporte coletivo precisam se desloacar como uma massa pelo bonde.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás do óculos e do bigode.

Dentro da massa de pessoas o poeta elege um homem, entre tantos que passeiam pela rua este elege os óculos e o bigode como sua máscara, sua marca para enfrentar o quotidiano. Uma máscara reservada e simples que garante sua integridade e distancia do mundo.

Meu Deus, porque me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Carlos reclama a um Deus relapso que permite que seus soldados vivam à sombra que também o abandonou sabendo que ele era como todos os outros um fraco, com defeitos um torto. Remete ao existencialismo que coloca o homem como um deus que defeca, como um ser que apesar de potencialmente poder alcançar as estrelas é também fadado aos defeitos e desventuras de ser imperfeito e de viver num mundo do contingente e não do necessário.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo
mais vasto é meu coração.

Em sua penúltima estrofe Carlos traz para o poema o meta-poema para discutir a solução de seu mundo gauche, de anjos tortos, sem Deus, de tantas pernas coloridas e também de outras tantas máscaras que se fazem rostos. A face que Drummond mostra nesse verso é uma face ambigua onde confessa a incapacidade da rima, ou seja por metonímia a própria poesia, de dar uma solução ao mundo. Mas depois busca sua solução para vastidão do mesmo mundo dizendo que com seu coração seria capaz de dar conta desse mundo.

A primeira questão que sucita dessa estrofe é quanto a capacidade desse coração que, como foi visto anteriormente, é fraco, tem medos e incertezas, cheio de dúvidas. A outra questão que soa mais relevante é a dada solução, numa rima paupérrima Carlos aproxima o sentido de solução e coração num flagrante contraditório com a incapacidade da rima de ser uma solução como posto pela conjectura a respeito de seu nome ser Raimundo. Tal contradição não se soluciona, o coração tão frágil é incapaz de abarcar todo mundo como Carlos propõe a primeira vista, pois sua relação com o próprio poema com sua própria justificativa é falha num processo lógico-poético onde a rima é posta ao nada para depois aparecer com solução. Pois o poeta cai em um ciclo vicioso quando nega a importância dela para depois subrepticiamente usá-la como solução. Não é para menos que o poeta se embriaga em sua última estrofe.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo

Carlos traz seu leitor nesse momento a uma intimidade de quem confidencia um segredo, como se estivessem numa mesa de bar tão típica das minas gerais. Evocando a lua e o álcool, os maiores patronos da poesia romântica, se despede do poema culpando seu coração por todos os seus desabafos e desvarios anteriores. Abraçando o diabo como quem abraça o amigo bêbado depois da última saideira do botequim termina seu poema. Sim, o poeta se declara num estado de comoção do diabo, intensa. Um diabo num mundo onde os anjos são tortos e vivem nas sombras, se até os anjos o condenam à ser mais um tão torto quanto eles Carlos encontra nessa comoção, nesse romantismo uma solução para o vasto mundo que pretende caber em seu coração.

Morar sozinho é

ter uma geladeira
de gelo no isopor
e fazer comida
usando um ebulidor

domingo, 3 de julho de 2011

Villanelle de um Cardigã

Lucas C. Lisboa

Vou despir seu cardigã
na verdade vou rasgá-lo
em mil pedaços de lã

saiba que tenho um afã:
quero seu seio desnudá-lo
vou despir seu cardigã

Vou lhe jogar ao divã
e todo corpo amarrá-lo
em mil pedaços de lã

não lhe quero nada sã
será sonho o pesadelo
vou despir seu cardigã

do poente até a manhã
quero o desejo singelo
em mil pedaços de lã

é por isso que lhe falo
que juro e sequer vacilo
vou despir seu cardigã
em mil pedaços de lã