Publicação em destaque

Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Sedenta Refrescância

Sedenta seden-ta
Sedenta Refrescância
Que quase que qua-se
Que quase desidrata 
língua boca e garganta

Essa sede profunda
Que dá mais e bem mais
Sedenta Refrescância
Sedenta seden-ta
Sedenta Refrescância

Quero beber seu som
através da minha pele
dentro dos meus ouvidos
cravando nos meus ossos
quero seu alarido
sua sonoridade 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

defesa

https://www.canva.com/design/DAF2tLazsng/dKVeuJI8DSyqS9yu4R3klw/edit?utm_content=DAF2tLazsng&utm_campaign=designshare&utm_medium=link2&utm_source=sharebutton

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Contando nos dedos


Quero ser livre sem amarras e sem regras:
conto e reconto sim os meus versos sem métrica; 
cravo no meu papel sons e palavras às cegas;
faço poemas mil em vaidosa estética.

São segredos senis que a verdade renega,
feito aqueles assim escritos na prática
solta do seu ardil, sutil, que em mim se esfrega
nessa ponta de língua afiada e dramática.

Verso livre? Será sempre meu melhor lema.
Sobre o metro? No canto eu jogo de castigo!
Faço fluxo mental por pura leniência...

Ei! sempre desconfie de quem conta poema,
de quem entra no esquema e faz versos medidos,
que faz da pena uma pena ou mesmo penitência!

domingo, 12 de novembro de 2023

Trilho do Trem

Seu Zé me sirva 
uma dose de dia
da prateleira mais alta
do seu armazém 

Calados respondemos
o que não valia perguntar
batizados sem nome
sem chuva sem flores

Os não ditos de nós
ficaram sem depois
sem sinal de celular
sem pra onde olhar

Seu Zé me sirva 
uma dose de dia
da prateleira mais alta
do seu armazém

a cabeça bate no peito
descompassa maldita
e descarrilha na trilha
errada de Dylan e Raul

Sou cão de duas cabeças
sem eira nem coleira
que errante lhe mira
e lhe admira admita

Seu Zé me sirva 
uma dose de dia
da prateleira mais alta
do seu armazém 

bate o sino
mais uma dose
suas piadas
suas artes

bate o sino
mais um gole
sem gelo
sem analgésico

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Cumplicidade

me fofoca como rádio 
mas de todos os babados
os melhores são seus lábios
que me felam tão molhados

sospecho

Sospecho:
sus pechos
son pequeños
solo para
si plantear 
en mis lábios

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Sextilhas com mote e rim (Parte I)

modernoso e não moderno
passageiro e não eterno

-Eclode a modernidade:
da Belle époque o delírio,
do entre guerras todo horror!
Feito sonho liberdade
desafia regra e fio 
da métrica e escandor.

Poeta em noite intranquila
teme o metro e alucina 
nas sílabas e nas tônicas.
Moderníssimo delira:
-Construirei minha sina
minha torre babilônica!

-Sem mais rima! A novidade?
Eis aqui: Seu Assonâncio,
Compadre Aliterador.
-Amigos desde a helenidade
e louvados no prefácio
do tal modernizador...

Não aquele que se grila
duas sextilhas acima
mas um dos bons, sem irônica
fala, pois ele vitíma
o gosto burguês e nina
sua revolução jônica 

modernoso e não moderno
passageiro e não eterno

Sim, ele mesmo, um Andrade
-Mas qual dos salafrário?
-O de gente comedor? 
-Não não, esse é o Oswald! 
-Seria Carlos ou Mário?
-É Mário, o prefaciador

'teressantíssimo gira:
a Paulicéia arruina
a arrogância indômita
e detona e desvaira
e desnuda e desatina
toda elite em sua crônica 

aparta a rima com vontade
que preenche seu vazio,
contrafeito rimador;
com pés de latinidade,
fonética do vizinho
aplicado escutador.

modernoso e não moderno
passageiro e não eterno

Moderníssimo revira
desconhece tanta prima
Afônica e a Fônica
Bilabina, Dentina, Vela
Nasalina, Plosivina
Ladentina e Glotônica

-Por erro e não vaidade
dumas filhas doutro tio 
esqueci, mas tenho amor
nas duas: Alplade e Plade
Cada qual com seus filinhos 
presam ao versejador

Carregam toda catira 
desde as colunas heleninas
ditam o ritmo e a tônica 
de cada verso que brilha
no salão e na cantina
pra tristeza da platônica

modernosa e não moderna
passageira e não eterna

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Concerto

Na música de gênia lhe provo
e vejo meu receio ruir
na harmonia me recrio e inovo
sou eu aluno do seu porvir

eu vim acordar o sol de novo
bem depois do frio onde dormi
no calor da vida me renovo
canto cada vogal a sorrir

Lhe guardo no som e na harmonia 
sou vivo nesse nascer do dia
sou vivo feito de sede e fome

Sou ainda poeta enganador
em nove sílabas meu amor
embalo sem dizer o seu nome

sábado, 7 de outubro de 2023

Cantiga do mar

Trago numa rede
sede d'água doce
fome dos abraços 
de quem bem me quer

Pescador do rio
fiz o meu caminho 
pescador do mar
feito fui marujo 
hoje no navio
trago peixe e fruto
desse mar salgado

Trago numa rede
sede d'água doce
fome dos abraços 
de quem bem me quer

Meu irmão nas águas
doces, nossa casa
cuida com carinho
cuida de mainha
cuida de painho
que já vou voltar
desse mar escuro

Trago numa rede
sede d'água doce
fome dos abraços 
de quem bem me quer

Meu amor do porto
vem você pro cais 
vou comer contigo
faz a cama e guarde
guarde dia e noite
seu chamego calmo
pro meu mar bravio

sábado, 9 de setembro de 2023

Xepa

Sempre fui da xepa,  da promoção e pechincha, comprei meu coração na barraca de um e noventa e nove. Mas meu peito e pulmão,pobres e expropriados, fizeram fiado pendurando a conta pra minha garganta pagar sob protestos. Por solidariedade  a boca fez greve não queria o novo e vermelho inquilino...piquete montado, dentes trincados... mas a mão furou, pelega, não era de esquerda. Furado o piquete o coração caiu na barriga, burguesa, de tão gorda se fez de sonsa  e não quis devolver, foi briga das feias,minhas velhas veias tiveram que intervir... greve geral e o general da cabeça, prefeito,  não eleito do meu corpo, entrou em febre, uma convulsão social. Reintegração de posse biles, vômito e rebordose, mitocôndrias em pânico
ouviam a internacional  quando o latifúndio, improdutivo,  numa noite fui tomado por uma princesa que se fez realeza socialista, encampou meu corpo e botou meu coração no peito, deu um jeito nos grevistas,botou de regime minha barriga. E todos, todas as partes, pedaços, ossos, órgãos, células , culturas bacterianas, tártaros superbacanas puseram abaixo a superestrutura. Era revolução, de agora em diante. Todos, todos teriam o direito, Inalienável, ao pão,  aos beijos dela e... é claro, 
à poesia.

Xepa

Sempre fui da xepa
da promoção e pechincha 
comprei meu coração
na barraca de um e noventa e nove

Mas meu peito e pulmão 
pobres e expropriados
fizeram fiado
pendurando a conta 
pra minha garganta
pagar sob protestos

Por solidariedade 
a boca fez greve
não queria o novo
e vermelho inquilino 
piquete montado, 
dentes trincados
mas a mão furou
pelega, não era de esquerda

Furado o piquete 
o coração caiu
na barriga 
burguesa 
de tão gorda
se fez de sonsa 
e não quis devolver

foi briga das feias
minhas velhas veias
tiveram que intervir 
greve geral e o general
da cabeça, prefeito 
não eleito do meu corpo
entrou em febre,
uma convulsão social

Reintegração de posse
biles, vômito e rebordose
mitocôndrias em pânico
ouviam a internacional
quando o latifúndio
improdutivo

Numa noite
fui tomado por uma princesa
que se fez realeza socialista 
encampou meu corpo
e botou meu coração no peito
deu um jeito nos grevistas
botou de regime minha barriga

E todos, todas as partes
pedaços, ossos, órgãos, células 
culturas bacterianas, tártaros superbacanas 
puseram abaixo a superestrutura

Era revolução,
de agora em diante,
Todos, todos 
teriam o direito
Inalienável 
ao pão,  
aos beijos dela
e... é claro, 
à poesia.

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Três pontinhos intermitentes

Ela curiosa fada
e eu nada, nada digito,
digo ou repito de pronto
e lhe espanto no poema
pruma prima pescadora,
pecadora, principesa

É alteza que habita o peito
dum jeito e dum carinho
que me desalinho e insisto
em fazer disto meu verso

O mais perverso convite
que insiste em poesia,
magia e prosa, de tanto,
mas tanto, tanto aconchego
que me chego de dentro
e de fora de seu beijo.

Que afago, abraço, no enlaço
pois lhe laço nessa cilada
cantada no clima de três
pontinhos intermitentes

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Fruto Mineiro

Sou daqui
não porquê nasci
mas porquê cresci
nas férias, feriados
aniversários e 
campanhas
da barragem,
das eleições,
de saúde,
e tantas mais 

Onde minha vó
me levava
à feira de sábado
e antes de chegar
parava pra conversar,
dar conselhos,
passar bilhetes,
curar joanetes
e calos ou caçar um carro,
um jeito de tratar fora
seus aflitos pacientes 

Vó demorava
a manhã todinha
pra caminhar
as duas quadras
de casa até a praça da feira 

Onde aprendi
a andar à cavalo,
à beira do rio, nas trilhas 
dos mascates e tropeiros 
e pescar no Rio Setúbal

Onde ouvi
sobre os trilhos
da Bahia-Minas 
que saia de Araçuaí
até Caravelas 
e seu fim num desatino 
dos milico tontos 
que desde pequeno
aprendi a não gostar

Onde minha vó
me deu o cavalo
que chamei de Rambo
mas que era o Jardineiro
pra todo mundo da fazenda
(Rambo, que nomebestameudeus!)

Onde fui pra escola
estadual Nossa Senhora de Fátima 
e fiz amigos, corri perigo
"Esse menino vai cair do cavalo!"
E eu nunca, nunca cai cavalgando
à toda velocidade ouvindo os cascos 
batendo nos paralelepípedos

Onde minha vó
me ensinou 
da Igreja,
dos padres,
das freiras...
me ensinou
seu ateísmo
não praticante 
e que tudo 
é política, luta,
cuidado
e também amor!

Onde dei meu 
primeiro beijo
onde aprendi 
a amar
o queijo, 
a rapadura 
e o puxa
(que eu puxei achando que era
uma ordem e não o nome)

Genipa americana, o fruto
Jenipapo de Minas, a cidade
são só nomes 
nomes insuficientes
para descrever meu amor
meu amor por um lugar
um lugarejo, distrito
e agora município
que é parte de quem sou
desde sempre.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Duas teclas

Durante as bodas del Rei, o Pianista teve sua estréia, entretanto seu fá sustenido soou em si bemol. Doeu-lhe os ouvidos, desesperou seu peito, mas, obstinado, tocou até o fim, mesmo malogrando seu lado direito. Os aplausos no palco e os elogios da imprensa não impressionavam. Tempos depois declinou, desconfiado, o convite de tocar durante o debute da Princesa.

Decepcionado sentiu o seu ocaso de pianista, todos mentiam, os incentivos eram só chistes refinados pelo seu si bemol em falso. Sentia-se traído e por tal renegou sua mão direita. Deitou-se do mundo dos dedilhados, cordas, baritonos e sopranos. Entretanto, não deixou-se afastar dos palcos e por, destino e glória, tornou-se Esgrimista canhoto. 

Dedicou-se ardorosamente, demostrou talento, derrotou oponentes e de florete empunhando, pela diligente mão esquerda, voltou aos palcos e palmas. Envaidecido, não notou os olhos da Princesa soprano sobre si. Ela preservava no peito aquele si bemol que só um gênio poderia encaixar dentro duma desgastada melodia.


terça-feira, 1 de agosto de 2023

Não relevo o relevo

Sem erro, sem risco não 
há vida plena, só plana
e ser plano nunca fez
parte dos meus planos 

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Década passada revisitada

Dourada taça sobre meus estudos
quebra-se vilipendiada e o sol
inda tarda deixando-me só e mudo,
feito terra no centro dum atol.

Me sopra seu sabor, sorrateira succubus
me mistura o dourado e doce do álcool.
Sinto o sonho perdido entre apuros
sou eu barco em mar ermo sem farol?

Suspendo-me: profano ou divino?
já os cacos eu recolho numa lâmina,
de abrir cartas, reluzindo prata;

na mesa os versos tingidos de vinho
e dentre ouro e prata, duma infâmia
brota a gota de sangue insensata...

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Flor de esquina

De terno branco, bem cortado, caminhou pela rua, como se fosse me atravessar, suspeitei que ele sequer me via, mas olhou-me nos olhos, passeou pelos meus cabelos, desceu por meus lábios e enquanto sorria me secou o decote. 

Desviou, flanou, sem perder seu sorriso. Senti seu perfume, dama da noite. Distante atendeu o telefone: "Oi amor, não paro de pensar em você!" Disse, tão sincero, que duvidei da lembrança de sentir seus olhos sobre mim.  Poucos passos depois, eu nem sabia mais aonde ia. Contrariando-me, virei-me para vê-lo.

Decerto que pela indecisão só vi seus sapatos, polidos, na esquina e eu, no meio da rua, girei para alcançá-lo. Cheguei e só vi aquela flor com a bala mordida nas pétalas. Venci a vergonha, cheirei e era o mesmo perfume. A meia bala, com sua saliva. era para mim.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Esculpida pois sim, eterna porém.

Orgulho de seu escultor. Ela, estátua de mármore, bela, belíssima e, também, muito emotiva. Mas sempre, sempre, impassível, insensível no reter de suas lágrimas. De fato, esforçava-se para contê-las, como um dique, suportava dor, angustia, desespero como se nada fossem.

Obstinada, calava tudo. Não se demovia pela ofensa proferida por um bêbado, nem por uma criança que lhe escalava tal mangueira em pleno verão, nem corava o rosto por um casal afoito que lhe usava de beco escuro, sequer via o sem-teto que fenecia aos seus pés pelos rigores do inverno. E nem mesmo um pedido de casamento lhe afetava os olhos.

O motivo? Seu peito de mármore guardava a razão: eternidade. Afinal suas lágrimas ácidas, caso irrompessem de seus olhos, esculpiriam sulcos profundos, tal leito de rio, em sua face e desaguariam no lago de seus lábios. Dolorido? Sim, mas eterna porém.


terça-feira, 25 de julho de 2023

Escolástica

Ela não teve um primeiro amor no jardim de infância, não paquerou dentro da escola, no colégio, não cultivou amores platônicos pelos professores.
 
Entretanto, era zelosa por seus livros, recolhia cada traça e lagarta da biblioteca e, uma a uma, as engolia inteiras.

Estava certa que não tardaria para, enfim, sentir o farfalhar de asas das tão faladas borboletas em seu estômago.

terça-feira, 20 de junho de 2023

Perdi

Eu perdi
        perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

os versos estão
na ponta da língua
lambendo meus molares
dançando nos caninos
procurando num canto
num canto qualquer
o resto do seu sabor

Eu perdi
        perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

aquele que lhe disse
jurado, extasiado
ao pé do seu ouvido
enquanto ainda sentia
o tremor de suas pernas
enquanto ainda ouvia 
o arfar de sua boca

Eu perdi
             perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

Estou aqui
como quem relembra o gosto do doce de sobremesa
horas após o jantar
eu não quero escovar meus dentes 
eu não quero pentear minha mente
na procura do verso perfeito
que lhe disse confessado e arrebatado

Eu perdi
         perdi
eu perdi o último poema que lhe fiz

Eu quero
quero o poema inteiro
pronto, perfeito e acabado
quero ele na minha boca
quero ele no seu ouvido
        quero
eu quero de novo o gozo que me fez poesia

domingo, 11 de junho de 2023

Prato Frio

Como deixar de cumprir
a promessa que você
fez pro seu eu do passado
num momento de rancor?

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Em azul

 


ESCREVORESCREVOESCREVORE
SCREVOESCVREVOREESCREVO
ESCREVORESCREVOESCREVORE
SCREVOESCVREVOREESCREVO
ESCREVORESCREVOESCREVORE
SCREVOESCVREVOREESCREVO
ESCREVORESCREVOESCREVORE
SCREVOESCVREVOREESCREVO
ESCREVORESCREVOESCREVORE
SCREVOESCVREVOREESCREVO
ESCREVORESCREVOESCREVORE
SCREVOESCVREVOREESCREVO
EMAZULEMAZULEMAZULEMAZUL

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Composição

O poema deita-se 
e sobre ele a música
cavalga no pelo
e lhe faz piano
no toque uma nota
da pele macia
perfeito contralto 
língua e palato

A música cavalga
sobre o poema
geme ele barítono
arfa ela soprano
que quebra o verso
parte a partitura
sem qualquer pudor 
candura ou clave

Música e Poema
metonímia a dois
bemol sustenido
que bota no ritmo 
de quatro o compasso
alitera o si
escande seu sol
e ressoa sua rima

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Vale o risco

Qual escolha tem
a exibicionista
no meio do risco
se o seu público
lhe arranca do púlpito
morde seu púbis
lambe seu seio
agarra sua bunda 
e vira seu algoz

Devora a fome
sem nome ou voz
provoca a carne
geme e se entrega
pelo capricho 
do passo em falso
que torce seu pulso
põe de joelhos
e lhe faz beber 
cada gota merecida

Rebola plugada
lambuza seu cio
regojiza em vermelho
pra ser devorada
tomada no tato
de pelo com pele
atada no arremate
abate e gozo
feita puta vadia
acaricia a mão 
que lhe doma
em sua própria
casa e cama.

Sem hora na janela

Sonhava eu na janela entediada,
rezando baixo pro meu próprio santo,
de olho na rua tal quem não quer nada...
quando vi, tremi louca pelo encanto!

Então quis eu ser mesa para tantos:
comida, banqueteada e devorada
e mais, quis eu servir-lhes com meus prantos...
currada, laceada e arrombada!

Gabava-se ela, na matilha suja,
de falo em falo, vi aquela cadela 
latindo e sentia mia sineta rija...

Sofria? Era fato, mas a inveja
brotava no meu rosto e sem sobeja
eu babava pelos ganidos dela!


segunda-feira, 15 de maio de 2023

Passeio paraíso

Estou eu no paraíso:
dos dedos entrelaçados, 
na boca meu puro riso
e vestido bem florado.

Estou eu no paraíso:
do passaro e seu cantado,
com meu gemido bandido,
que me acabo e aterriso...

Estou eu no paraíso:
dos meus joelhos ralados, 
do meu ninho bem plugado,
onde tremo sem aviso!

Estou eu no paraíso:
dos meus passos bem contados,
no seu carinho querido,
que lhe lambo até seu piso...

Estou eu no paraíso:
do pescoço encoleirado,
do meu orgulho preciso,
que lhe dá todo cuidado!

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Cavalga-me

Cavalga-me! Do teu cavaleiro fiel,
será dama do lago ardente em corpo e véu.
Eu, afogado por ti:  cócix, virilha e ventre,
navego na saliva atrás, entre e de frente!

Cecília, noite toda úmida de teu mel...
dedilha, com amor, o cobiçado anel.
Enamorado, te faço um convite galante:
teu esfíncter ao redor de minha glande!

Trago goles de vinho adivinho teu ato:
que me fala e faz e no falo me fela
que deseja vadia meu dulcíssimo gozo!

Te faço no meu mimo um deleite e maltrato:
teu tremor, teu gemido e grito me celebra
na fome que fartado em ti enfim me repouso...

terça-feira, 18 de abril de 2023

Me toca

Ela  puxa pela vista
paro, penso e me pergunto
pela mais bela passante 
que Baudelaire jamais veria

Ela está aqui, nos trópicos
de outono tão quente
de verão quase infernal
aqui a passante é Preta

Ela seu piano toca 
numa multiplicidade
como alguém feliz que dança,
e brinca pronta pra próxima
 
Ela tem o tempo certo
feito de Poesia e Música
nas assonâncias e versos
co'a Melodia alinhavada

Ela é sim minha cidade
tão mais bela que Veneza
ou qualquer das muitas outras 
que conta e canta Calvino

Ela toda é Musa e Música 
Musicista? Não! Metrópole
cujo ser confunde bem  
meu estar co'encantos e acordes 




terça-feira, 4 de abril de 2023

Memória,

Tenho-te tentado
mas é que aí dentro
não cabe mais tanto
do quê já te coube
no peito ferido

Já não cabe nada
que só bate o tempo,
teu tempo, contado,
medido, preciso
e cronometrado.

Conta quanto tem
de tempo no tempo,
conta do relógio
quebrado no quadro
do retrato antigo.

Contempla o ponteiro
parado no tempo
a volta não feita
o atraso cobrado
marcado na seta

Tá, bate teu ponto
retira tua meta
nem tenta tua sorte
conserta na certa
ou mente que não 

segunda-feira, 27 de março de 2023

a velha, a lagarta, a caveira e a borboleta

A morte é vida
o fim, começo

O novo devora
o velho transmuta
num círculo sem
começo ou fim

E isso é belo

segunda-feira, 20 de março de 2023

Qualquer dia desses

Banho, cama, cerveja
dividiria fácil com você
qualquer um dos três

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

De gênia

Adoro seus dreads
por entre meus dedos
afago e me deixo
beber dos seus beijos

Adoro seus dedos
tocando meus pêlos 
que me faz piano
desses seus carinhos

Será essa poética 
feita corda e guia
de canção macia

Serei sua música
seu ritmo, cadência
de toda indecência
 


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Sátiro Selvagem

Sou seu sátiro selvagem
Sou seu sáfico sutil

Sou seu sátiro selvagem
salteando seus sonhares
Sou seu sátiro selvagem
sim, sou solitário sábado
Sou seu sátiro selvagem
safo, sade, sensualíssimo

Sou seu sátiro selvagem
Sou seu servo sadeano

Sou seu sátiro selvagem
serpenteando sepulcros
Sou seu sátiro selvagem
sombrios, sutis soluços
Sou seu sátiro selvagem
sem sorriso satisfeito 

Sou seu sátiro selvagem
Sou seu sulfi salivante

Sou seu sátiro selvagem
salivando sensuais
Sou seu sátiro selvagem
sanhas sofregas sativas
Sou seu sátiro selvagem
seduzindo assim seu sexo 

Sou seu sátiro selvagem
Só sou somente sou sempre
sem sutilezas sou só 
só seu sátiro selvagem 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

bucólico

Você acha que rola
de trocar o seu mamilo
por essa acerola?

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Na copa, cozinha ou quarto

Quisera eu ser seu Brasile
 você minha Coreia
e no deserto, num ato
lhe meter de quatro

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Pós foda é foda

Pós foda é foda
mandei no zap a real

é que meu pau
já tá com saudade 
do seu cuzinho

Paixão de pica é pica
nem fez um docinho

e o meu cuzinho
já tá com saudade 
do seu pau 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Haiquase 404

plantas de plástico
fazem fotossíntese
com luzes de led

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

PARA UMA DIALÉTICA DOS PRAZERES

Lhes tomo como um escultor e não 
como um pintor, pois não tenho eu
uma tela em branco, um terreno
baldio, sem vida. A minha lavra
é de pedra, com seus veios, ranhuras,
rachaduras e sua própria forma pede;

Pede por, uma nova forma, um novo
modo de cantar suas dores e feridas.
Envolvo, justamente, onde lhes sinto
os seus mais profundos fascínios.
Pois lhes testo as próprias defesas
e lhes ato em seu próprio gozo!

Para as que desejam a prisão;
cordas, algemas e amarras.

Para as que anseiam a humilhação;
abusos verbais e ordens públicas.

Para as que tremem na dor;
meus chicotes e meus tapas.

Para as sensoriais, meus pés;
minha venda e minha vela.

Para as que tudo é pouco;
o meu nada e nada mais! 

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Poema retirado das mensagens do zap

a ninfo me confidenciou:
mamei um peão meses 
atrás no terreno baldio

Ele
trombei com ele 
numa rua escura
nos olhamos
e saí andando

Delicioso
de uniforme e coturno
indo pra casa
vindo da fábrica
o fdp tava delicioso

Negão
Não teve nem diálogo antes
ele entendeu e veio atrás
sentindo o cheiro do meu cio
fomos parar num mato

Pentelhudo
cheirão gostoso de pica 
me matando de tesão
tirei o leite dele
todo na minha boca

Poema Autoral

No Brasil de cada 100 poetas que publicam
96 morrem sem viver dos 10% pagos pela editora

No Brasil 
de cada 100 poetas que publicam 
96 morrem sem viver dos 10% pagos pela editora

No Brasil
de cada 100 poetas
que publicam 
96 morrem
sem
viver dos
10% pagos pela editora

sem viver dos 10% pagos pela editora
sem viver dos 10% pagos pela editora
sem viver dos 10% pagos pela editora
sem viver dos 10% pagos pela editora 

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Alusivo

Ah ela, a tal língua 
que lhe lambeu 
loucas maledicências 
de loucuras, malfeitos, 
malfados e maldades

Ela, língua, logrou 
eloquente êxito
e meu lirismo 
está de luto

Não lhe olharei linda
meus olhos são lágrimas
cada cheiro cada palavra
de seus lábios vermelhos 

censuro meu verso
censuro os sonhos
vejo os demônios
que nos deram 
num buquê de flores
é primavera!

Você reluz
meu amor
meu gesto
meu ato
mas não
não mais
nada

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Também é poesia

Quanta angústia cabe
dentro dum poema
Cada dor num verso
Cada drama numa estrofe

Mas o quanto de verdade
Eu lhe confesso em verso
Eu lhe confio em prosa
e quanto goza meu martírio
daquilo que não digo?

Carrego culpas tamanhas
temperadas com sonhos
desfeitos pelos meus erros
não preciso do seu dedo
em riste acusando tudo
tudo aquilo que sei
e já cansei de me mentir

Já não leio como lia
páginas e mais páginas
madrugada a dentro
porém, pro meu tormento, eu não durmo
passo em claro em silêncio
sem urro no meio da noite
guardo a dor bem guardada
num prateleira de mágoa e melancolia

Será que um dia eu esqueço
dessas culpas que só eu sei
e passo o bastão desalmado
prum desavisado mais romântico?
Será que um dia eu esqueço
de carregar esses ossos
e guardo num armário
como todo mundo?

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Faço música de sua letras

Oh...  quanto delírio 
que quando lhe penso 
deságuo eu no intenso
toque que dedilho

tal meu instrumento 
que os dedos eu trouxe 
pro seu sexo doce
que inunda sedento

jorra feito fonte
de sujos pecados
numa imunda mente

De anjos safados
que gozam defronte 
o meu dedilhado 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

no colo

de bruços
plugada
levando
palmada

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Cecília Filósofa

Saiba: nem tudo vem dos descaminhos,
porque também há os vícios dos vinhos.
Afinal, nem o mundo é só impurezas...
também competem muitas malvadezas!

Saiba, nem serão sempre esses espinhos...
há ferrões nos melhores dos caminhos.
Pois que nem tudo é sempre uma tristeza,
sobra também tais fomes e pobrezas!

Pequena, são mazelas da virtude,
das que infligem tormentos amiúde,
dignas de quem só o bem deseja e faz,

Sei que admira esses bêbados devassos,
amantes, libertinos, cordas, laços 
tudo querem assim mais que demais


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

hai-quase explicito

jorro natural
recolhido por seus lábios
saliva-me o sêmen 

sábado, 16 de julho de 2022

Minha orquestra

Lhe dedilho o sexo
perfeito piano,
Dessas suas nádegas 
própria percussão,

Da boca e dos lábios
o meu saxofone
E seu corpo inteiro
o meu violão

Qual o seu gemido
em dó sustenido?

de lado, de quatro
de joelho o retrato?

que no ré lhe trago 
pro perfeito estrago

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Análise da Canção Ouro de Tolo de Raul Seixas


 Raul dos Santos Seixas, cantor e compositor baiano, nascido no ano da bomba atômica se definia como um canceriano sem lar. Era pois, um cronista ambíguo e contraditório em muitas de suas composições que aqui analisaremos sob a perspectiva econômica de sua época, O Brasil da Ditadura Civil-Militar ocorrida a partir do ano de 1964 cujo próprio término em distensão lenta e gradual Raul como seus espírito de mosca na sopa duvidava quiçá só para incomodar, quiçá para apontar ali uma ferida, um incômodo que seria mais conveniente ignorar.

O caráter monetário, concreto da natureza de seus versos  acontece desde o título de sua canção “Ouro de Tolo” do álbum Krig-ha, Bandolo! lançado no ano de 1973 durante o chamado Milagre econômico brasileiro período propagandeado pela Ditadura como de enorme pujança e prosperidade para o país.  Mas o Eu-lírico do autor inicia seu canto dizendo que:

“Eu devia estar contente

Porque eu tenho um emprego

Sou o dito cidadão respeitável

E ganho quatro mil cruzeiros por mês”


O devir, o dever ser inaugura o poema contestando a ética protestante da realização pelo trabalho, pois põe em cheque a certeza que o indivíduo respeitável por ter um emprego e uma renda, tenha em situação de alteridade a sua auto realização.  Na estrofe subsequente:


“Eu devia agradecer ao Senhor

Por ter tido sucesso na vida como artista

Eu devia estar feliz

Porque consegui comprar um Corcel 73”


O elemento religioso se impõe novamente e a realização da rima entre o mês e o sententa e três novamente demonstram como valores de realização primeiro o salário nominativo e em seguida um carro novo, do ano do lançamento do álbum denotando um sucesso financeiro que deveria ser garantidor do seu próprio contentamento e se esse devir não se realiza, se o eu-lírico não canta seu agradecimento, há uma dissincronia entre a expectativa capitalista de realização e o próprio anseio humano.


“Eu devia estar alegre e satisfeito

Por morar em Ipanema

Depois de ter passado fome por dois anos

Aqui na Cidade Maravilhosa”


Nesta estrofe impera novamente o devir e o incomodamento do eu-lírico se expande para um dos bairros símbolos do crescimento nesse período de um novo Rio de Janeiro, bem distinto daquele Rio antigo das crônicas do bruxo do Cosme Velho. Se Laranjeiras, Glória, Botafogo, Lapa, Flamengo são o pano de fundo das narrativas machadianas por serem os espaços frequentados pela elite carioca de sua época. Aqui, na obra de Raul seixas, Copacabana, Ipanema e Leblon assumem esse papel em um Rio de Janeiro que não é mais capital do Império ou da República, mas que mantém-se ainda como a meca dos artistas, para qual todos que querem colonizar seu espaço no mundo das artes devem migrar. E mesmo após passar fome por dois anos na Cidade Maravilhosa, o sucesso não basta para extinguir a alteridade do devir do eu-lírico. E o que era apenas devir se afirma como negativa nas duas quadras a seguir:

“Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso

Por ter finalmente vencido na vida

Mas eu acho isso uma grande piada

E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente

Por ter conseguido tudo o que eu quis

Mas confesso, abestalhado

Que eu estou decepcionado”

A vinculação da felicidade ao sucesso financeiro apregoado pela ética capitalista é, para o eu-lírico uma piada, e pior, uma piada perigosa. Pois, apesar de ter conseguido tudo que quis é com espanto que ele se percebe decepcionado com essa promessa.  a partir dessas estrofes a uma mudança no tom dos versos pois o artista decepcionado deixa de apenas narrar o seu devir para lançar outras dúvidas e explicitar diretamente o seu sentimento de falta, onde as recompensas e realizações ofertados pela sociedade capitalista não  são o bastante para que ele se sinta pleno.

“Porque foi tão fácil conseguir

E agora eu me pergunto: E daí?

Eu tenho uma porção

De coisas grandes pra conquistar

E eu não posso ficar aí parado”


Neste momento de virada da canção, quando o compositor troca as quadras por uma sextilha vemos um eu-lírico que abraça a incongruência, o contraditório que não cabem no estreito espaço ético da sociedade brasileira que sob o milagre econômico que ao mesmo tempo oferecia carros do ano para o artista, que relembra a fome na Cidade Maravilhosa, mesma fome que matou mais de meio milhão de pessoas do mesmo pais na Grande Seca de 1970. E o questionamento “e dai?” remete ao imponderável, o abstrato que não cabe em 4 mil cruzeiros por mês, que não se concretiza em um corcel 73 e nem se negocia com vencer a fome tão distante de suas própria terra. E assim, esse eu-lírico se distancia daqueles protestantes weberianos que vão ao novo mundo fundar o capitalismo através da ética do trabalho.

“Eu devia estar feliz pelo Senhor

Ter me concedido o domingo

Pra ir com a família no Jardim Zoológico

Dar pipoca aos macacos

Ah! Mas que sujeito chato sou eu

Que não acha nada engraçado

Macaco, praia, carro, jornal, tobogã

Eu acho tudo isso um saco”


Após a sextilha o compositor retorna ao esquema de quadras e enquanto nas quadras iniciais o eu-lírico aparecia em um questionamento do seu devir, no que devia ser mas não se realizava, sem contudo, expressar seu contentamento, neste par de quadras vemos  a tensão da primeira quadra ser resolvida na segunda. O devir da primeira é negado em seguida. e retoma os elementos das quadras anteriores quando do terceiro verso da segunda estrofe. Pois nem os macacos do Jardim Zoológico, nem a praia de Ipanema e muito menos seu corcel 73 aliviam o vazio que não se preenche com as recompensas por ser “um dito cidadão respeitável”

“É você olhar no espelho

Se sentir um grandessíssimo idiota

Saber que é humano, ridículo, limitado

Que só usa 10% de sua cabeça animal


E você ainda acredita

Que é um doutor, padre ou policial

Que está contribuindo com sua parte

Para o nosso belo quadro social”


Pela primeira vez o eu-lírico se dirige para o interlocutor, despejando seu próprio descontentamento no outro que vê como um espelho, como também pertencente ao “nosso belo quadro social”  Elenca àquelas profissões fundamentais nessa estrutura, ao mesmo tempo que os lembra que são animais, seres limitados e que a despeito das conquistas, das contribuições ainda permanecem carentes de significação, de objetivos maiores que só se realizam dentro das expectativas limitadas e limitantes dessa sociedade.  E tal processo acaba por  guiar o interlocutor para o fechamento da canção.

 

“Eu é que não me sento

No trono de um apartamento

Com a boca escancarada, cheia de dentes

Esperando a morte chegar


Porque longe das cercas embandeiradas

Que separam quintais

No cume calmo do meu olho que vê

Assenta a sombra sonora dum disco voador”


Para se distinguir dos seu interlocutor o eu-lírico nega a posição do dia de domingo, de ser mero espectador de sua vida conquistada, de suas próprias pequenas e burguesas realizações, refere-se a “um apartamento” de maneira indefinida pois a vida de seu habitante é igual e genérica como a de tantos outros habitantes, cidadãos respeitáveis que dormem em seus sofás de boca aberta sem mais expectativas, sem sonhos de mudanças. Mas em sua última quadra o eu-lírico canta acerca do imponderável, de um lugar longe do sonho burguês de uma casa com cerca e quintal, tal qual um filme americano. Fala daquilo que está na margem da visão, em seu ponto mais calmo, uma sombra sonora, uma sinestesia que torna o extraterreno a solução para quando a realização protestante da redenção pelo trabalho oferece apenas o material mas não desfaz o mal-estar existencial. 

Sob a égide de um Milagre econômico que só satisfaz uma pequena classe média, o Brasil de 1973, tem fome, tem miséria, tem tortura e opressão que não são maquiados pelos números econômicos, que a ficção monetária não consegue ser verossímil para quem já passou fome. Em uma canção onde os elementos autobiográficos ressoam temos um migrante nordestino percebendo que a promessa de prosperidade é falseada e falseável. Que não há bilhete premiado que garanta a felicidade além das recompensas ofertadas para o bom trabalhador. 


terça-feira, 5 de julho de 2022

Tempos melhores

Quero magia, cor e cenas
pra toda boca que beija
Bang bang só nos cinemas
retomados das igrejas
Bibliotecas eu prefiro
do que esses clube de tiro

terça-feira, 28 de junho de 2022

13 anos

bate sua  punheta
escondido no banheiro
mas batem na porta

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Nas noites mais cegas


Sonhei que era sátiro
e você minha ninfa
prima da floresta
e éramos nós dois
na seiva e saliva
apenas um só
tal qual um narciso
que desabrochado
é seu próprio par

Agora eu sei
Cecília bastava-me
você em meu jardim
o meu narciso minha
pétala que só
nunca mais, jamais
estaria pois somos
mais, bem mais que dois
somos primavera
no meio do outono 

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Frente Fria

Pois quantas ruas morreram
nesta madrugada fria?
e quantos olhos cansados
perderam seu último brilho?

Já você quente no lar
quantos cobertores negou
com seu voto de indiferença?
com seu olhar pro outro lado?

Quantas vidas a paixão
(ou o ódio) assassinaram
nesta madrugada fria?
Você consegue contar?

Você consegue contar
com seu conforto e paz
de quarto, cama e tevê
mas não é sobre você

Você consegue contar
nesta madrugada fria
os quantos olhos cansados
perderam o último brilho?

segunda-feira, 2 de maio de 2022

domingo, 10 de abril de 2022

Acaso calculado

Poeta tratante
é certo: poema
feito de rompante
tem uns mil rascunhos

quinta-feira, 3 de março de 2022

Cuco quem?

Em meu ninho ela repousa
a doce cuco canora
saliva a saliva da outra
e lambe minhas bolas

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Beijos pra poesia

Estava eu voltando, de ônibus, da Lapa para casa de madrugada, no Rio de janeiro, Vi uma moça chorando sentada no fundo do ônibus. Tímido, eu não teria coragem de falar com ela. Mas isso não me impediu de tentar fazer algo. Saquei um dos meus livretos de poesia (ainda eram xerocados na época) e entreguei para ela. De início ela recusou dizendo que não tinha dinheiro. Eu lhe disse que era um presente e fui me sentar lá na frente perto do trocador, não pude nem ver se ela realmente estava lendo meus versos. Chegou meu destino, dei o sinal e desci. Quando o ônibus arrancou e passou por mim, ela abriu a janela e me lançou um bilhete lotado de beijos dizendo "a arte ainda vai salvar o mundo!!!" 

Duda, Por onde andará você?

domingo, 20 de fevereiro de 2022

haicai

Noite japonesa
tem sushi,sakê e shibari,
comcorda princesa?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Sujeito Erroso

A cada momento
e por todo instante
eu lamento e tento
seguir adiante
contando meu aperro
calando meu berro

No fio infiel
do meu sacramento
nas juras de níquel
de arrependimento
pois sou eu amante
duma dama errante

Nem no nunca mais
sou inverossímil
sem risos ou ais
uma lenda ao léu
nem tocam os ventos
de mil e oitocentos

O meu calafrio
é nunca ter cais
mas tenho o delírio
de dominicais
manhãs de mel 
pipa e carretel

Serei só miragem
na curva do rio
sou terceira margem
um nem-ser-se-viu
d'olhos lacrimais
sem nada demais

sem mirada verde
sem pele alva e virgem
sem cama ou rede
um velho em vertigem
que sempre ouviu
ene, a, o, til

de tudo e todos
pois a mim sucede
sortidos engodos
que quase me fede
desde minha origem
com ferro e fuligem

Mas jamais que enterro
meu sonho no lodo
tal quem não é bezerro
muito menos touro
pois eu sou quem ferve
o inferno e lhe bebe

E nada garante
que esse meu desterro
não é sem sextante
sem bússola só erro
exílio sem êxodo
soldado sem soldo 

Insônia

A lua no espelho da penteadeira
a milhares de milhas enxerga
(e talvez se veja orgulhosa de si,
mas ela nunca, nunca se alegra)
além ou longe de se deitar, ou
talvez daquelas que dormem de dia.

Se seu Universo virasse vazio,
ela o mandaria ao inferno,
e acharia um olho d'água,
ou um espelho, para morar
teceria pra si seu casulo
e cairia em sua gruta

nesse mundo ao avesso
onde esquerda é direita,
onde sombra é corpo,
onde não nos deitamos à noite,
onde o céu é raso como o mar
é profundo, e você me ama.

Tradução do poema Insomnia de Elizabeth Bishop

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Shaninha

Shaninha, serviçal da senhorita Lula, jaz em cálcio
preta, de branco, ela desceu
abaixo da superfície do recife de coral.
Sua vida dispensou
cuidando da senhorita Lula, por sua surdez,
Na cozinha comiam seu jantar, ela na pia 
enquanto Senhorita Lula comia na mesa.
As nuvens foram de branco para o funeral
e os rostos de negro

Esta noite o brilho da lua alivia
o derreter das rosadas rosas de cera 
plantadas em latas de areia
perfiladas para a perda da Senhorita Lula;
mas quem gritará e a fará ouvir?
Na procura por terra e mar de outra pessoa
o farol vai descobrir onde Shaninha jaz
para apenas ignorá-la; o mar, revolto,
lhe ofertando onda após onda.


Tradução do poema Cootchie de Elizabeth Bishop




quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Na ponta dos dedos

Todo, todo dia cê fuma
às quatro e vinte da tarde
E em mim a larica apruma
pra ver-te de quatro e me arde
como brasa essa vontade:
sê a fumaça que te invade

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Invisível cotidiano

Eu na papelaria e aviamentos imprimindo umas pílulas de poesia, eis que chega uma senhora e pergunta para a atendente:
-Moça você tem feixo éclair invisível?
A atendente de pronto responde:
-Pera ai que eu vou ver se tem.
Fico olhando para aquela situação impossível e me pergunto filosoficamente como ela vai VER se tem se ele é INVISÍVEL?

Sonetilho para Cecília

Meu desejo, paz e leito
é assim sóror Cecília
sonho largo corpo estreito
minha maior redondilha

É meu chão e também ilha
Onde me aporto perfeito
É loba e minha matilha
que banqueteia meu peito

Por onde corre, tropeço
pois conhece meu segredo
o meu erro e redenção

Verso cujo metro meço
na lembrança do degredo
rima, ritmo coração

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Vendaval

Não respira
só me beija
pra quê fôlego
se há saliva?

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Cuando grita

Moça sábia bem artista
tem no rosto delicado
seu trunfo que até despista
o sujeito mais errado
que não sabe que seu beijo
é atacado no varejo

Ela faz fila, faz lista
dos amor arrebatado
mas escolheu um vigarista 
pra ter seu cu arrombado
moço de trato e traquejo
que faz dela seu gracejo

Ele guia e ela quica
requebrando seu quadrado
sofre e goza pela pica
no seu rabo agasalhado
enquanto pinga desejo
seu xibiu farto e sobejo

Porque seu cu quando grita 
não pensa nem tem cuidado
é fome que dá e repica
de esfolar no seu safado
sufoca a fronha num beijo
e o pau no cu é gorgolejo

Só o mais corajoso fica
e mete o dedo sem medo
ele sabe onde se arrisca
porque cu não é brinquedo
é preciso ter molejo
pra cair no saculejo

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Missiva

Ergam seus copos e corpos!
Boa noite meus queridos
e minhas queridas poetas
Da minha rima macia
vem o desejo vadio
que escorre na redondilha
e pela mão eu lhes guio

Ergam seus copos e corpos!
Deixo pra todos ouvidos,
que vai começar a festa:
Cães ladram e gato mia
Eu procuro companhia
que aceite meu desafio
de trepar em verso e cio!

Ergam seus copos e corpos!
Não haverá arrependidos,
mamando juntos nas tetas
das musas gregas, Sofia,
Safo, Ágape e outro trio
que nossa teogonia
criar por deleite e ócio!

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Com quantos castelos se faz um monte?

A prima Cecília
só dormia sonhando
beata o barroco
das ruelas dos livros
que o primo vendia
nos vagões do trem
queria ela o embalo
daqueles trilhos
queria ele a paz
daqueles olhos
e nenhum dos dois
tinha de verdade
tão perto, tão próximos
mas sem saber que eram
espelhos um do outro.

sábado, 6 de novembro de 2021

incorrigível

O amor está no (b)ar!

Confidências


Eu nunca vivi em Itabira
Principalmente nunca fui em Itabira
Talvez por isso não seja de ferro
Noventa por cento de sangue nas calçadas
Oitenta por cento de sangue nas armas
E essa alienação das vidas que são negras e pobres

A falta de vontade de amar quem não é igual
vem de mim que sou branco, que sou homem, de belo horizonte

E o hábito da indiferença, que julga 
é amarga herança mineira

Das minas gerais, prendas diversas te ofereço
esta pedra de nióbio, futuro minério do Brasil
esta cloroquina do braço forte do exército
esta vacina de mão amiga e contrato superfaturado 
esta rachadinha, esta notícia falsa

tive fome zero, tive a sexta economia, fui poeta
hoje me tranco em casa
Itabira não é apenas um vídeo nas redes
Mas como dói!

#paracegover: Vídeo de Segurança - Itabira 05/11/2021, Sexta-Feira 18:46 - Mulher Negra, magra de estatura baixa está na calçada de rua movimentada, carrega criança no colo, está de mãos dada com outra criança de 6 anos é abordada violentamente por dois policiais que afastam a segunda criança. A criança afastada grita, tenta proteger a mãe completamente impotente, Os policias derrubam no chão a mãe ainda com a criança no colo, ajoelham em seu pescoço e a imobilizam. 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Canto do Labirinto

Quanta fantasia
dos seus sussuros
guarda em ti, Cecília
quantos os delírios
ditos nos ouvidos
tais doces pecados
guarda em ti, Cecília
Hoje, no meu sonho,
curto entrecortado
sou eu quem delira

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

4lg0r1t1m0

Eu tenho uma enorme, 
GIGANTESCA, R4iv4 
de ter que censur4r 
as palavras para que 
o 4lg0r1t1m0 não me p3rsiga. 

Me sinto numa época 
completamente vigiad4 puritan4. 
É sufoc4nt3! É dit4dvr4. 
É infantil ter que censur4r pal4vrão, 
od3io ter que ler cool.

Eu quero a beleza 
do c e do u juntinhos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Trova T

Tortura tua timidez 
todo tato torturado
tem telúrica tristeza
traceja treme termina 

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Em resumo (prolixo) quem sou eu?

Eu posso dizer que tenho uma imensa sorte, com 4 anos tem foto minha num piquete com minha avó protestando contra a interrupção das obras no vale do jequitinhonha. Mais tarde um pouco lá estava eu acompanhando meu pai na greve dos Bancários em BH. 

Já cortei dedo em estilete fazendo molde em radiografia pra silkar bandeiras, cartazes e camisas pra campanha no interior quando minha vó saiu candidata a prefeita numa chapa de mulheres quando a cidade dela ainda era distrito e ela teve a cara de pau de concorrer a prefeitura da cidade maior. Perdemos, também fizemos campanha pro Lula desde sempre e meu primeiro voto aos 16 foi no Lula em 2002. 

Cresci tomando guaraná no bar enquanto meu pai conversava com meu tio e com o garçom que já tinha sido do MST e era daqueles que tinha decorado o manifesto comunista. O garçom também sabia de cor todas as letras de Raul Seixas e apostava comigo quem sabia mais e ora eu tinha que cantar um trecho e ele falava o nome da música e noutra falava a música e eu tinha que mandar um trecho.

Acho que esse foi meu primeiro contato com a poesia misturado com política mas nem sempre política diretamente, ele me mostrou como as letras aparentemente inocentes podiam ter os conteúdos mais politizados mesmo falando de amor.

Um pouco antes de votar pela primeira vez com os mesmos  16 escrevia meus versos e brigava na escola defendendo o Lula e o PT. Levei a bandeira vermelha e fui parar na diretoria. Se meu pai não falasse comigo pra guardar a bandeira estava preparado pra ser expulso pois por mim eu não guardaria. 

Como era de se esperar não fiz muitos amigos na escola e também estudei em várias. Não tendo mais que um colega com quem conversava mais frequentemente dentro de toda a sala. Nunca socializei em eventos héteros, apesar de ser. E também ser o único entre meus amigos que fiz fora da escola, na liberdade da praça da liberdade em Belo Horizonte. O único menino que se interessava por meninas de toda a turma era eu, mas não era nada demais, as meninas também só se interessavam por meninas e assim eu ia levando num grupo onde eu me sentia bem acolhido e feliz. 

Minha poesia tinha política mas a vocação de ser subversivo era mais arraigada em mim. E por ironias mil nas aulas de literatura a professora exaltava o modernismo e a semana de 22.  Na minha cabeça só martelava a questão do que diabos era a métrica que eles estavam se libertando. O que se contrapunha ao verso livre que a autoridade da sala de aula tanto exaltava foi o que me chamou a atenção. 

Da mesma forma que fuçava no computador pra formatar o windows e instalar os jogos que só rodavam no meu PC herdado do escritório na base gambiarra eu fui atrás do outro lado da história, conhecer os tais malditos parnasianos cujos versos estéreis o modernismo parecia querer queimar.

Acabei encontrando ali uma trincheira, minha própria ditadura pela qual lutar, a do verso livre. Porque só se podia  escrever dessa maneira, porquê não havia espaço pros sonetos de Florbela ou do meu primeiro poeta Augusto dos Anjos. Foi por rebeldia que resolvi fazer sonetos. Quanta ironia.  E eu tomei gosto pela forma fixa com conteúdo subversivo.

E na mesma toada de conhecer as regras para poder quebra-las fui tortamente fazer Direito em Ouro Preto mas fui traído pela sedutora filosofia e por mais que me desse bem entre códigos e comentadores fui lá prestar outro vestibular pra Filosofia.  E decerto que foi aí minha alcova. 

Mas antes disso conheci o CA de Direito, fiz meus próprios piquetes contra a reitoria, até me estafar da luta estudantil ao mesmo tempo que eu me desiludia com o governo Lula. Tudo que eu achava que entendia era pouco ainda. Votava no PSTU como protesto sem saber exatamente qual o pretesto que eu estava apoiando no momento.

A filosofia era muito mais desafiante, instigantes e dificílima para minha pouca concentração. E lá fui eu pra biblioteca da UFMG pesquisar sobre mim mesmo e meio por acaso e a esmo encontrei sobre o que era o déficit de atenção. Que eu prefiro dizer que atenção eu tenho muita, só não controlo ela. Minha mente vai e vem pra onde ela quer. Se interessa quando lhe convém. 

Na UFMG o movimento estudantil me tinha como apoiador, era um calouro não calouro. Que se achava experiente e maduro demais. Mas já não fazia mais sentido gritar contra ALCA e FMI. Nem as propostas de reuni me pareciam tão erradas assim. O curso de medicina não aumentava suas vagas desde a época que meu tio mais velho se formou há meio século.

Voltando a descoberta do TDAH, descoberto esse conjunto de explicações eu fiz testes, fiz enquetes, usei meus amigos de grupo controle e cheguei numa consulta com um neurologista com uma farta documentação, quase que um laudo pronto na mão.  Era a melhor explicação pras minhas inquietudes, minha constante vontade de contraposição. A Rita não me levou o sorriso, aliás graças a ritalina consegui ganhar um pouco de controle da minha vida.  

Mas não deixei de flertar com o desafio, com as intensidades, foi uma doce calamidade conhecer o bdsm, o universo fetichista.  Explorar novas transgressões, sentir novos tesões e provocar tensões com novos temas pros meus versos que já não se prendiam aos decassilabos. Eu inocente e arrogante fui logo me meter a fazer decassilabos, heróicos, sáficos... O martelo agalopado venceu minha arrogância pois na época não consegui jamais fazer um.  Meus versos perversos foram pras singelas redondilhas, muitíssimo macias aos ouvidos.

Eu simplesmente amava (e ainda amo) adocicar os ouvidos do leitor com versos confortáveis para que a temática mais suja ou revolucionária lhe pegue no contrapé. Foram bons tempos na filosofia mas minha eterna insatisfação levou meu tesão pra longe da sala de aula. E graças ao ENEM fui atrás da poesia em terras cariocas.

Letras na UFRJ era minha desculpa, eu só queria sair das montanhas de minas mudar de horizontes pois os de BH já não me pareciam tão belos.  Levei uma poupança miúda, um colchonete e uns livretos de poesia. Sim, livretos moro no Brasil, falo português e jamais fiz um zine sequer.

Nos bares de BH eu sentava pedia uma cerveja tomava o primeiro copo, levantava e distribuía pelas mesas ao redor minha poesia. Muito tímido deixava que as pessoas mesmo lessem meus versos em paz, eu não ficava por detrás fiscalizando. Distribuía nas mesas e voltava pra minha cerveja. Depois de finda a primeira cerveja passava de mesa em mesa recolhendo os livretos desprezados, conversando com os leitores mais animados e recolhendo os trocados  dos que tinham apreciado os meus versos. Não era muita grana, pagava a conta do bar, o tiragosto e as vezes sobrava um pouco. 

No Rio conheci a bela Balbúrdia chamada Supervia, o sistema de trens urbanos carioca que era um verdadeiro shopping sobre trilhos onde de tudo comprava e também vendia.  Adaptei meu esquema do bar para o vagão e me surpreendi com o resultado. Se antes eu fazia vinte livretos para levar pro bar e sabia que ia sobrar, agora se eu levasse menos de cem ficava com medo de acabar.

Eu nem acreditava que minha professora estava errada, que ainda havia espaço pra poesia com forma e rima.  E a poesia se tornou meu ganha-pão. Vivia, bebia, vestida, comia e morava graças a ela, de vagão em vagão que eu vagava levando meus versos e comecei a me sentir seguro de me chamar de Poeta. Lancei meus dois livros em 2012 e depois 14.   Ambos com o apoio exclusivo dos meus leitores e amigos. O primeiro através da lei Rouanet de pessoas físicas que não sabiam que podiam doar e abater 100% do valor no IR. E segundo exclusivamente com dinheiro dos vagões.

Lancei ambos com o apoio de uma empresa com quem namoro desde que cheguei ao Rio, a Poeme-se.  Foi nos estandes dela que fiz o lançamento de ambos.  Contando com a presença de quem me conhecia e sabia desse projeto de poesia sobre trilhos. Mas Como o bicho de estimação ( meu querido TDAh) que carrego comigo não me deixa parado durante esses anos criei minha anti editora, a Prensa Mínima e publicava a preço de custo livretos de novos poetas que queriam se aventurar no universo literário. Foram mais de 20 nomes lançados.  Poesia sobre trilhos saiu pelas minhas mãos em 30 edições comuns, 1 infantil e outra erótica totalizando 60 mil livretos postos em circulação só por mim.

Com o tempo descobri outros nomes contemporâneos afeitos a métrica como o genial Glauco Mattoso que por coincidência também publicava seus poemas independentes ainda na época da máquina de escrever, fazendo incríveis poemas concretos  antes de se tornar cego quando então se voltou aos sonetos. Somos tão semelhantes mas também simetricamente opostos!  No amor pelo fetiche, pelo verso em suas formas. Mas ele gay, podolatra e masoquista.  Vamos dizer que ele é meu grande mestre vivo. Um poeta sem igual. 

Depois de tanto tempo de namoro aceitei o desafio e entrei pra Poeme-se onde hoje sou o curador das estampas, trabalhando em sua concepção, pesquisando e encontrando novas maneiras de colocar a poesia em Movimento.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Haicai de Orvalho

a língua em curva
lambe e lateja seu sexo
molhado de chuva

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Balada para um espelho

Ipê florido do meu cerrado
vaidosa cor roxa que atrai
o olhar cobiçoso e cobiçado
sendo seu filho, irmão e pai
É você espelho casto de mim
que do meu fogo compartilha
balada desse bandolim
meu amor meu, minha Cecília

Em cada toque dos meus dedos
em nota, num suspiro, num ai
rezando por todos os credos
pecados que nos tanto atrai
A fome que une nosso fim
nosso parnaso, nossa idília 
nossos nãos feito nosso sim
meu amor meu, minha Cecília

Por tanto tempo os Segredos
guardamos como alguém que cai
numa armadilha de brinquedo
agora diz, como a gente sai?
Sacros segredos em latim
com medos na coleira e guia
ganindo no nosso festim
meu amor meu, minha Cecília

Ouro manchado de carmim
somos nós Dirceu e Marília
na poesia entre seus rins
meu amor meu, minha Cecília

espelho

É você espelho casto de mim
que do meu fogo compartilha
na balada dum bandolim
meu amor meu, minha Cecília

Em cada toque dos meus dedos
uma nota, um suspiro, um ai
rezando por todos os credos
e pecados que tanto atrai

a fome que une nosso fim
nosso parnaso, nossa idília 
nossos nãos e no nosso sim
somos nós Dirceu e Marília

Por tanto tempo os Segredos
guardamos como alguém que cai
numa armadilha de brinquedo
agora diz, como a gente sai?

Caminhos

Entre a stairway to heaven 
e a highway to hell
Prefiro apanhar 
um táxi lunar

domingo, 19 de setembro de 2021

Triolé para Cecília

Penso em ti Cecília, Cecília
em cada sonho ou vigília
em cada suspiro ou transpiro
Penso em ti Cecília, Cecília
entre nossos mares de morros
entre pecados e capelas
Penso em ti Cecília, Cecília
em cada sonho ou vigília 

sábado, 28 de agosto de 2021

Em lá maior

Ligo o rádio e só toca
sempre o velho do re mi
mas meu coração coloca
meus ouvidos só pra ti
eufônica de tão bela
minha menina Mirela

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Rondó para Cecília

É, Cecília, meu amor
sigo seu passo onde for
rodeado por semelhanças
Iguais sem tirar nem por

Da nossa própria canção
nos passos e nos compassos
feita em verso, linha e traços
que nos ressoa o clamor

Medidas pela escansão
nos contempla tal crianças
de nossas secretas danças
pois sou seu versejador

É, Cecília, meu amor
sigo seu passo onde for
rodeado por semelhanças
Iguais sem tirar nem por

Nos diverte a discussão
que o Neoclássico acelera
e Barroco essa quimera
embala o fio sonhador

Fazemos da arte a lição
nosso pathos tão levado
e o rococó com cuidado
tecendo gotas de dor

É, Cecília, meu amor
sigo seu passo onde for
rodeado por semelhanças
Iguais sem tirar nem por

Pois quando acerto a mão
por nossas fomes aflitas
corro cordas tranço fitas 
lhe ato e desato em louvor

Nos céus eis constelação:
Psices et Virgo juntos
em nós somos sonhos mútuos
num destino bem maior

É, Cecília, meu amor
sigo seu passo onde for
rodeado por semelhanças
Iguais sem tirar nem por

Alvorece na nova estação
deste adolescer amável
um par óbvio e improvável
Insatisfeito fulgor

Narcisos, mútua visão
somos eternos infantes
pelo amanhã, no hoje e dantes
eis musa e compositor

É, Cecília, meu amor
sigo seu passo onde for
rodeado por semelhanças
Iguais sem tirar nem por

Com Caetano e um violão
numa cantinga de roda
lhe dou toda, toda corda
com ganas de amarrador

E me confessa a paixão
num soneto de bocage
convite pruma viagem
prima minha meu amor

É, Cecília, meu amor
sigo seu passo onde for
rodeado por semelhanças
Iguais sem tirar nem por

Canta comigo essa ilusão
sê meu querubim rebelde
de puro desejo e sede
nave, altar e confessor

És minha religião
minha musa, minha deusa
sem ti sou eu, só tristeza
de sonhar sem qualquer cor

É, Cecília, meu amor
sigo seu passo onde for
rodeado por semelhanças
Iguais sem tirar nem por

sábado, 21 de agosto de 2021

Sinal Fechado

Certa vez eu entrei no metrô para vender poesia como sempre fazia todos os dias, porém havia algo de estranho. Pois as pessoas estavam com uma cara tão triste mas tão triste que eu pensei que tinha morrido alguma figura muito querida e popular. Estava todo mundo com cara de enterro, de luto mesmo. Procurei saber, quem tinha morrido era o sol que não aparecia a uma semana. Cariocas não sabem lidar com dias de chuva, cariocas não gostam de dias nublados.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Bonjour, Happy hour

Sede de saliva cannabis sativa
Vem, se achegue e aconchege-se
Sex to you, sextou my baby
Vem você de vinho, vem

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Micro conto em 140 caracteres

Era perfecionista, mas também manco e sua perna esquerda teimava em alcançar a direita.  Caminhava sempre, pontualmente, em sentido horário.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

porquê a verdade não vence a mentira

Não há argumentação possível contra negacionistas ou revisionistas históricos. É uma questão de economia básica. Enquanto a ciência prescinde de pesquisa, estudo e elaboração para corroborar suas teses o revisionismo precisa só de criatividade, retórica e imaginação. 

Ou seja: O tempo que eu gastaria comprovando que esse texto é uma bosta é muito maior que o tempo que gastou quem escreveu esse espantalho.  E mesmo se eu refuta-lo o autor pode simplesmente inventar outro argumento tirado da bunda sem qualquer trabalho. 

Por isso só dá pra discutir com quem está usando os mesmos paramentos técnicos, o mesmo rigor científico. Fora disso é pura perda de tempo.

Para combater notícias falsas não basta  jornalismo competente ou esclarecimento científico. É preciso de força política e econômica. Por isso iniciativas que cortam o financiamento dos propagadores de mentiras são muito mais eficientes que sites de checagem de fatos.  Checar fatos é um instrumental que legítima as ações de combate às mentiras. Mas sozinho, esse instrumento, não é capaz de mudar a propaganda de mentiras.