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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

sábado, 21 de abril de 2012

O Pivete e o Homem, exercícios do papel de macho.

Caminhávamos ali pela mem de sá antes de chegar aos arcos da lapa quando chegou um menino de pequeno de menos de 12 anos e olhou no fundo dos olhos dela e puxou sua correntinha de ouro do pescoço e saiu correndo.


Eu não pensei duas vezes e corri atrás do moleque, ele tentou se enfiar no meio da multidão mas antes disso eu o peguei e ele caiu no chão. Gritei com ele perguntando cadê a corrente até que ele desesperado, sim o olhar dele tinha muito medo, me falou que tava no chão e apontou.


Ainda fora de mim levantei ele do chão com um movimento só e as pessoas ao redor já se agitavam querendo que eu chamasse a polícia. Nesse momento eu só via o olhar de pânico do garoto e soltei ele. Quando falaram em polícia eu fiquei morrendo de medo do que eles poderiam fazer com aquele menino.


Deixei aquele lugar meio atabalhoado, uma moça até chegou próximo da gente perguntando se a gente não ia mesmo chamar a polícia e um cara veio mostrando uma outra correntinha perguntando se também era nossa. Negando a ambos atravessamos os arcos da lapa finalmente. As ruas estavam cheias de gente mas eu não via ninguém. Minha cabeça estava um caos, fervilhando de pensamentos e meu peito de sentimentos contraditórios.


Depois que a adrenalina se diluiu em meio ao meu sangue me senti duplamente mal por tudo isso. Primeiro por ter causado todo esse horror no moleque que é uma criança e depois por ter obedecido a todo o adestramento social que faz do homem esse animal, o sexo masculino é ensinado, desde criança, a ser uma espécie de cão de guarda.


Fiquei imaginando as merdas que aqueles policiais poderiam fazer com aquele menino que sequer tem idade para ter discernimento de algo. E também imaginando o que eu poderia ter feito se não tivesse visto aqueles olhos dele em pânico. O pior é que por mais bestial que tivesse sido meu ato, ele seria apoiado por todos ao redor, teriam visto e dito que o "ladrãozinho" mereceu. Como é que uma criança dessas poderia ter merecido algo assim? Só aqueles olhos, só aquele medo que dava para sentir o cheiro já foi muito além da conta que ele merecia.


Dentro da van indo para casa tive ódio de mim mesmo, por ter feito exatamente como fui adestrado pela sociedade a fazer. A proteger meu território, a responder imediata e com violência ao ato. Não pensei, só agi como fui condicionado a agir. Nós homens somos criados para agir com essa violência desmedida desde o início, em jogos competitivos, em brincadeiras com espadas.


Essa "educação" fez acontecer esssa pequena corrida ao pivete mas também faz acontecer todos os dias os socos no olho porque o cara mexeu com sua mulher, as facadas no ventre por que o cara lhe olhou torto e muitos e muitos óbitos que só acontecem porque nossa sociedade adestra os homens para serem cães de guarda prontos e preparados para atacar ao menor sinal de ameaça ao seu território.


Ela ficou feliz por ter de volta a corrente que tinha um pingente de sua avó, me agradeceu por isso. Me fez algum elogio pela minha "coragem". Sim, como bom macho alfa eu mostrei minha força para defender a fêmea que estava comigo. Que revolução sexual, que igualdade de gêneros há nisso? Até quando vamos criar nossos filhos nesses dois papéis rigidos e opressores? Isso tudo me fez chorar dentro daquela van, já sem adrenalina, pois ao invés de ficar mais calmo todos esses pensamentos me deixaram ainda mais atordoado.


A violência fisica é uma escola que botamos nossos filhos machos desde seus primeiros anos de vida. Foi por essa escola que era eu homem correndo atrás de um aprendiz de homem.  É a mesma escola que o empurrou para cometer esses delitos e também leva sua irmã a se prostituir. Foi por essa escola que 70% das mortes violentas são de homens. É nessa escola de violência que se baseia nossa sociedade que ainda oprime as mulheres e massacra os homens.


Aquela correntinha arrancada, com o pingente da avó. Me fez ver como ainda sou de certo modo um cão de guarda protegendo a coleira. Defendendo com unhas e dentes uma sociedade opressora, uma animalização do homem terrivelmente intensa. Um cão de guarda e só.

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