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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sem nomes na estrada

Lucas C. Lisboa

O sátiro ainda espiava o doce banhar da ninfa quando foi surpreendido pelos efeitos do excesso de vinho. Logo ele, tão habituado a esbórnias muito mais desregradas, bebera demais naquele dia ou havia algo de muito singular acontecendo ali.

E conforme o corpo da bela ninfa se erguia das águas tão calmas daquele olho d'água o sangue que corria pelas veias do sátiro, fumegante pelo álcool, lhe subia à cabeça. Nesse instante ela se assustou com o barulho da garrafa se partindo contra o tronco da árvore que se encontrava ao lado do sátiro.

Todo o corpo da ninfa se congelou quando o descobriu fitando-lhe com um agressivo olhar desejoso. Tentou correr mas as mãos dele, ávidas e belas, foram bem mais velozes do que sua mente, traída pelo seu corpo, poderia reagir ou negar-lhe.

As mãos fortes dele a tomaram com extrema e hábil avidez, toda a ebriedade dele propiciava os movimentos mais seguros e perfeitos para tomá-la para si. Porém num lapso de consciência ela se debateu tentando livrar-se daquelas mãos brutas daquele bruto ser que tentava apossar-se dela. E tal debater se tornou o motivo perfeito, não para soltá-la mas para instigá-lo ainda mais em sua fúria obstinada que crescia sem rédeas dentro dele.

Segurando-lhe pelos pulsos fez dos dedos dela dedos as primeiras vítimas mordendo-os como se avisasse por esse ato o prenúncio do que estaria por vir. E inesperadamente ela, ao sentir a primeira pontada de dor caiu-se num êxtase incomensurável e indescritível entregando-se assim àquela fúria satírica que a dominava inteiramente.

Com aquela em mãos deixou-se saciar todas as fomes e sedes naquele corpo que fez questão de desnudar inteiramente. Rasgadas as vestes se ocupou demoradamente naqueles lábios tenros e apetitosos, naqueles seios que sem dúvida foram moldados para o encaixe perfeito de suas mãos e naqueles cabelos que tão bem serviam para guia-la ao seu bel prazer.

Dentre aquelas coxas teve todos os prazeres que poderia ter o requinte e a devassidão de desejar e em seu dorso degustou, com seus dentes, aquelas carnes tão macias. Por toda a longa noite deixou suas marcas naquele corpo, alternando pelo seu vil deleite os momentos de prazer, descanso, dor e delírio.

Quando acordou e a viu ao seu lado ainda não se lembrava do que acontecera exatamente e muito menos sabia qual era o nome dela que jazia dormindo profundamente entre seus braços. As lembranças vieram aos poucos conforme velou por alguns instantes o seu sono.

Percebeu que ela vestia apenas uma de suas fitas vermelhas, em laço e ponta, ao redor de seu pescoço e também notou como todo o corpo dela estava profundamente adornado pelo que ele tinha certeza que se tratava das marcas de suas garras e dentes.

Sorrindo ele soube que ela acordaria não menos do que faminta. D'um cesto trouxera frutas em calda de chocolate, o vinho ele deixou de lado a noite já tinha tido vinho em demasia. Mas sem sombra de dúvida as frutas recobertas lhe fariam bem.

Tão diferente quanto a conhecera ele a acordou gentilmente com leves carícias em seu rosto e como bom dia lhe ofertou aquelas frutas. Os olhos da pequena brilharam faiscantes e sem muitos pudores abocanhou-as diretamente dos dedos dele. Não satisfeita porém não se deteve enquanto restava alguma calda espalhada naqueles dedos.

Se trocaram nomes foi mero acontecimento, não sabiam se novamente se veriam, não sabiam sequer o que de fato tinha acontecido. E o sátiro a levou para a trilha mais movimentada que poderia levá-la para casa uma vez que confusa ela só queria voltar ao lar e adormecer de verdade.

domingo, 16 de agosto de 2009

Pequena rocha

Nossas juras, nossas rezas.
Quiseramos ser perdidos
Nossos versos, nossas trevas.
Os trouxemos escondidos

Nós temos um santuário
sagrado em nosso nome
e tenho, ainda, o sudário
de nosso suor e fome

domingo, 9 de agosto de 2009

Pela fome amada

Lucas C. Lisboa

Ele chegou com uma caixa de Mousse au Chocolat para sua amada. Sabia de sua tara por doces e principalmente por chocolates. A textura cremosa com certeza lhe cairia bem ao paladar.

Pediu, para não contrariar o clichê, que fechasse bem os olhos enquanto apertando bem um tablete dirigiu seus dedos envoltos de musse e chocolate até os lábios dela.

Decerto que ele conhecia bem o segredo daquela pequena de cabelos cacheados e olhos castanhos, de sua tara por mãos e chocolates. Não poderia haver idéia melhor do que juntar ambos.

Com as mãos de chocolate chegando bem perto de seus lábios não pôde recusar o impeto e todos os dedos devorou com voracidade. Ele sequer percebeu a dor que era para ter sentido. Estava encantado demais em observar a fome e a volúpia que tinha provocado.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

ERRATA

Lucas C. Lisboa

Quem for ler não se deslinha
É lá na segunda linha
onde lê-se "vou poeta"
entenda bem: "sou pateta"

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Alma de Poeta?

Lucas C. Lisboa

Faz muito que escuto essa história, essa balela pseudo-romantica e modernosa. Um poeta nasce poeta? É preciso graça divina e nenhum esforço para verter lindas palavras?

Francamente! Dizer isso não me soa como nenhum elogio! Eu não passo dias treinando, estudando, aprendendo sobre as possibilidades estéticas da lingua portuguesa para que todo meu esforço seja creditado a "minha alma de poeta".

Tal qual um músico aprende a tocar seu instrumento precisando muito treino para dominá-lo inteiramente. Um poeta deve aprender a dominar o metro, aguçar sua capacidade de criar rimas e eufonias, aprender a trabalhar concormitantemente linguagem e som. Qualquer um escreveria divinamente com o devido tempo, contanto que dedicasse o devido tempo de estudo e persistisse no seu intento.

Discordo que a mera inspiração seja capaz de criar um poema perfeito. Há uma sensível diferença entre um autor que rabisca as primeiras linhas, o autor que já escreveu cem sonetos e o autor que é versado em divesas formas e metros.

Não que o caminho clássico seja o único capaz, evidentemente é possível se atingir expressividade plásticas, sonoras e líricas para além do classicismo. Porém tal não se dá também num rompante, um poeta transpira ao fazer seu poema e dizer que ele sai numa vertente única e divina...

Francamente! Nenhuma arte funciona assim! E deixar que acreditem que tal é verdade só desmerece o trabalho do poeta, do artista. Dizer que qualquer um faz de qualquer jeito uma obra maravilhosa faz com que toda a obra perca seu valor.

"Porque do metro?" me perguntam frequentemente. A Versificação é todo um conjunto de estudos que lhe ensina a compreender melhor a relação intrincada entre linguagem, ritmo e som. Ela permite que se identifique com maior clareza e habilidade os melhores momentos e as melhores posições que as palavras irão assumir num verso de modo a causar a maior extesia possível.

Com o estudo e treino da arte versificatória o escritor adquire flexibilidade e dominio léxico, amplia enormemente seu próprio vocabulário e não é pego com tanta facilidade num abismo onde nenhuma palavra se encaixa.

Decerto que a versificação não pode ajudar o poeta no que ele vai dizer, no conteúdo intrinsceco de seu discurso, mas vai, sem a menor sombra de dúvida, auxiliá-lo na melhor forma de dizê-lo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Vermelho de Chão, Vermelho de Bucha

Lucas C. Lisboa

Joelho ralado e vermelho,
não de meu sangue aos montes...
mas do mesmo barro velho
cá dos belos horizontes!

Choro e escuto o conselho:
"Banho fim-de-férias antes!¨
Retruco mas me aponta o bedelho:
que tem barro até nas frontes!

E diz a vó, no fogareiro,
quentando ao pé da serra:

"que apenas caminha quem erra
quem tropeça na montanha

de terra rubra e estranha
do ferroso formigueiro!"

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Comunidade Científica Adverte

Para se caracterizar enquanto milharal precisa-se de pés de milho. Portanto, é imprescindível, que se plante milho no milharal.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Galanteio

Lucas C. Lisboa

Quero voce nesse frio
com duas garrafas de vinho
Com céu limpo, lua ao cio
e nas nuvens nosso ninho

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Filho Pródigo

Lucas C. Lisboa

Digo: Saudades não tenho.
Sou, ao menos, orgulhoso
demais pra dizer que tenho
de outro tempo saudoso!

Mas eu nem sei se eu convenho
em dizer que sou desgostoso
da terra que digo e venho
praguejando por troça e gozo!

Cidadezinha pacata;
é dessas que ninguém morre
e dessas que ninguém mata!

Cidadezinha de porre;
se o fim-do-mundo desata...
eu quero ver quem socorre!

terça-feira, 16 de junho de 2009

O seu engenho amado

Lucas C. Lisboa

Solitário como era não tinha amigos muito próximos, não era convidado para as festas e era alérgico a animais. Seu apartamento cheio de livros e ferramentas lhe acolhia com resignação e indiferença.

Viveria assim durante tantos anos sem se incomodar com aquela suave paz de sua morada mas um dia quando a consulta ao dentista atrasara mais do que o costume pegou um romance açucarado com a secretária tornando sua espera menos tediosa.

De volta a seu apartamento sem os cisos e com uma semana de licença se pôs a colocar seus estudos em dia: Todos aqueles livros que devia ter lido, todos aqueles artigos para revisar e todos aqueles protótipos ainda por terminar.

Cheio de ânimo estudou por dois dias naqueles silêncio tão propício a máxima concentração. Mas, no terceiro, incomodou-lhe todo aquele ambiente sepulcral, cansou-lhe seus assuntos tão sérios que tratava.

Quis então se distrair, ocupar-lhe a mente com algo mas todos os seus livros, papeis,ada fitas eram sérios demais. Nada havia ali sequer parecido como aquele banal romance da secretária, que julgara tão bobo, simples e pueril.

Não podendo ler o romance que devolvera crítico e desdenhoso. E sem coragem de ir até a banca mais próxima e passar pelo vexame de ser visto comprando literatura barata. Decidiu-se por viver ele próprio seu romance.

De tão inteligente, científico e hábil que era decidira que construiria sua amada com seus protótipos inacabados.: um braço mecânico, um modulador, olhos de lentes digitais e uma sorte de pequenos inventos, de funcionalidade duvidosa, que adornavam com seu peculiar gosto toda sua morada.

Tudo foi perfeitamente arquitetado a partir de um livro de anatomia humana (que comprara por engano certa vez). A construção fora bem simples, após concluso o projeto, seu intelecto formidável lhe enchia de orgulho a cada pequeno progresso. Terminara todo o processo em menos de quarenta e oito horas de trabalho ardoroso e frenético.

Quando terminada, não se continha de excitação frente sua amada construta com quem viveria o seu maior e mais perfeito romance. Um último ajuste precedeu o toque ligeiro em seu interruptor bem escondido atrás da orelha.

O corpo dela inteiro tremeu, sinal da inicialização do delicado sistema programado em seu interior, e ao abrir os olhos seus lábios esculpidos em látex abriram um enorme sorriso e disse olhando nos olhos dele: Papai.

Metafísica

Lucas C. Lisboa

Refuta-me e me desvela
pinta-me para sua tela
sem a tinta nem carvão
sua puta sem coração!

Trova pseudo-filosófica e pseudo-poética

Lucas C. Lisboa

Pois o Hades não é geográfico
nem Alma um corpo sutil
nada cabe o verso Sáfico
nem é Heróico seu ardil

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Minha querida

Lucas C. Lisboa

não sou bom, não sou herói -
se é para ferir eu bato,
sem pudores ou recato,
na ferida que lhe dói.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

I kant

fundamentação
no fundo, lamentação
de verdade ou não

sábado, 9 de maio de 2009

da morte amada

Darei vivas à sua morte
minha querida e ingrata
porém lasciva consorte
que tão suave me mata