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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Gato

que pense curto
mas pense rápido
dois fios num curto
frita o lagarto

Banal

não sou poeta para citação
em folhetim revista ou jornal
nem caio bem na coluna social
e nem no diário de coração

eu sou poeta do dia mais banal
da coisa já sem brilho ou razão
do instante mínimo além do tesão
típico do caderno marginal

falo da menina quase sem graça
que acha graça da minha cantada

falo dos belos mendigos da praça
que transam na fonte de madrugada

falo da minha poesia de raça
impura e filosofia renegada

Tour monetário e a mecenas de cabelos vermelhos

Além de ganhar chicletes de canela de lindas meninas, chocolates de doces senhoras, coca-cola e pururuca dos vendedores do trem e poesia dos poetas que encontro ao vender meus versos nos trilhos. Há uma outra coisa que sempre é divertido quando acontece. Que é quando recebo moedas estrangeiras! Sim, eu já estou fazendo um tour monetário com os diferentes trocados que recebo em troca dos livretos.


Tem moeda do peru que ganhei de um mochileiro que estava cruzando o pais, um dólar americano que ganhei de um casal que estava falando em inglês mas eram brasileiros, um dólar octogonal canadense que não sei quem me deu... É... eu não sei quem me deu pois tenho o costume de agradecer pelo livreto comprado mas não olhar o valor recebido. Gosto de poder tratar com a mesma simpatia o leitor que me dá centavos e o que me enche de notas.


Normalmente não conto o dinheiro até o fim do dia. Apenas retiro as moedas do bolso quando começa a ficar pesado demais e jogo dentro da bolsa de moedas. Após horas vendendo poesia ali nos trilhos essa bolsa fica parecendo uma algibeira medieval. E costuma fazer a alegria dos caixas de supermercado e bares que eu vou. Não são raras as vezes que eu escuto um: Acabou nosso problema de troco!


Falando em fazer a alegria, uma jovem mulher de cabelos curtos e pintados de vermelho realmente acreditou em meu sonho de levar a poesia a lugares onde ela nunca esteve. Já era tarde e eu tinha acabado de chegar até a Pavuna e me sentei distraído num dos bancos para arrumar minha bolsa e voltar a vender na volta.


Ela chegou toda tímida e me perguntou se eu ainda tinha dos livrinhos, acostumado com as pessoas que mudam de ideia na última hora e querem levar pra casa o livreto acabei abrindo a bolsa e peguei um livreto e entreguei para ela com um sorriso cansado. Ela pegou o livreto, guardou na bolsa e colocando minha mão entre as dela deixou uma nota muito dobrada dizendo para que eu não desistisse do meu sonho. E foi embora muito apressada sem me dar tempo de agradecer ou dizer nada. Foi o maior valor que eu já recebi por um livreto mais que o dobro do maior anterior.


Trabalhei contente não só pelo valor mas também porque vi que de norte a sul do Rio de Janeiro havia quem se encantasse por poesia, havia quem valorizasse o que eu faço contribuindo cada um a sua maneira para a poesia continue a viajar sobre os trilhos dessa cidade que acolhe os artistas com tanta alegria.

sábado, 17 de novembro de 2012

Para "A queda" um band-aid

Me diz: "o seu corpo é sujo!"
que meu prazer é um mal
censura se me lambuzo
com delícias sem igual

Se rejeito tal abuso
é pecado capital
me acusa d'outro desuso
de ser crente do infernal

Pois eu rejeito esse intruso
não me cabe culpa e moral
E sem fé bem que lhe acuso
de ser anti-natural

Pois vestir calças é russo
no meu pais tropical
Me deixe que não lhe fuço
na sua vidinha sem sal

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Dia de chuva

Passei o meu dia à ferro
pra alinhar todo meu mundo
como se ele fosse um terno
que se molhou num dia frio

Tentei consertar meu erro
encher de nada o vazio
jurando que seria eterno
só por mais esse segundo

Eu queria ter no meu peito
um algo que desse jeito
de chamar de coração

Tenho é um vazio perfeito
um belo sonho desfeito
que me canta a solidão

Ramalhete de palavras

Bonitas frases e flores singelas
são tudo que tenho a lhe oferecer
pra provar, pulo muros e janelas
espalho doces versos pra você

Cândidos cravos junto a rosas belas
eu trago pois se fosse seu querer
pintaria nas mais vivas aquarelas
só prum riso de seus lábios nascer

tenho duas mãos e a mente apaixonada
singro mares de morros, cruzo montes
quebro prantos e medos mais medonhos

eu simplesmente sei que é minha amada
pois em toda a arte somos amantes
nosso castelo é de pedras de sonho

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Diálogo entre o Dândi e o Trapeiro

-Calma lá! Eu vi primeiro. Sabe quanto me valerá esse tecido para o fazedor de livros? Será pelo menos três dias de pão para minha família.

-Você é um imbecil meu caro. Olhe essa cor vistosa! É um verde rubi de mais fina estirpe. Que importa se suas mangas estão poidas e seu acabamento não é mais o mesmo. Nas ruas escuras seu verde reluz o vermelho das lamparinas.

-Que me importa o quão reluzente seja? Me importo é com seu tamanho, ganho pelos palmos de pano que levo ao artesão. E esse casaco, tem forros internos, externos... É trapo que não acaba mais!

-Não o chame de trapos! É um design moderno, arrojado que acaba de cair em desuso na corte. Mas com os ajustes certos, a postura certa me faço em estilo e nobreza. O refinamento está na alma e em saber encontrar ouro onde os outros só vêem lixo.

-Chama de lixo meu trabalho? Seu verme vagabundo! Ganho com essas tralhas que ajunto o meu sustento. Melhor que você que escreve poemas e declama em troca de uma moeda ou uma caneca de vinho. Pelo menos meu trabalho não depende da caridade de ninguém.

-Meu caro amigo, não é isso que eu quero dizer. Mas a verdade é que dá para se viver no luxo só com o que se acha na porta da casa dos homens e mulheres direitos. São as melhores indumentárias, descartadas no afã da moda, os melhores adereços por terem sido ganhos do amante ousado e é claro até um quadro ou outro que fora dado por um parente que insiste em mecenar certos fracassados como nós.

-Não se iluda seu almofadinhas, essas roupa que usa, essa bengala, nada disso lhe faz parecer um dos que moram nas casas da avenida principal. Continua reles proletário, longe dos salões burgueses. Quando muito a Boemia pode abraçar. Somos de outra espécie de homem, bem mais baixos na cadeia alimentar.

-Vidrados no dinheiro, eles e você, não podem aproveitar a vida e nem o perfume da rosa. Veja aquela bela dama que atravessa a rua apressada, vê como é formosa!

-Pensa que me engana? Não levara meu trapo assim tão fácil. É tecido meu achado primeiro.

-Se o que queres é papel, tome cá esse livro. Pode vendê-lo ao artesão e ganhar mais moedas que ganharia com esse casaco.

-Me parece uma boa troca... Você deve ser louco! Trocar papel caro por um casaco sem valor.

-Cada um sabe o valor que dá ao que estima, esse casaco com certeza me ajudará a adentrar debaixo d'uma saia feminina.

-Seu lascivo! Isso lá é coisa que se diga na rua?

-Deixe disso, pare de me julgar pois agora vou-me indo atrás de um novo par.

-Mas espere ai! Isso aqui é uma bíblia! Como imagina que eu possa vender isso? É pecado!

-Pecado nada meu bom amigo, quando a fome a aperta Deus sempre está do nosso lado!

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Cego

O tal assum preto
canta bem melhor
no escuro perfeito
lhe feito sem dó

O saci do gueto
pula na maior
dum barraco pro outro
cuma perna só

mal não se renega
pois é desatino
não levar sua cruz

mariposa cega
tem no som do sino
seu facho de luz

domingo, 21 de outubro de 2012

Acelerado

Eu quero fundo
num gozo raro
e quero raso
num riso solto

Não sei se passo
ou não do ponto
no que eu aposto
sem um centavo

Eu quero à vista
do sonho cego
e quero à prazo
desregulado

Não sei se fico
num beijo morno
ou se me vazo
como um cachorro

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Primavera de Ocasião

Nessa tarde de domingo
verdes araras urbanas
colorem um céu cinzento
num tchau pro fim de semana

Adorável Canalha

Caminhando pela rua ele veio em direção contrária a minha, olhou-me nos olhos, passeou pelos meus cabelos, desceu por meus lábios e enquanto sorria seus olhos secaram meu decote. Passou por mim, mas eu pude escutar seu telefone tocando:


-Oi amor, não paro de pensar em você!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Livreto colorido, a gentileza dos seguranças e um recado pela janela do ônibus


Chegaram meus livretos novos! É a primeira edição colorida! Consegui encontrar uma gráfica graças ao Zuza que faz o trabalho por um preço mui acessível, acabou ficando a cópia mais barata que seria no xerox que eu costumava ir. E o melhor, posso pagar com cartão de crédito e só pagar os livretos muito depois de vendê-los.


Eu gosto do requinte que é usar as próprias engrenagens do sistema para subvertê-lo. Tento todo dia encontrar novos meios de usar a nossa querida industria capitalista que explora igualmente meios de transporte, graficas e cultura contra a sua própria estrutura.


Os novos livretos ficaram muito chamativos! Os leitores adoraram e foi um dia de intenso movimento nas estações. Acabei sendo pego em Cantagalo mas foi tranquilo, achei que ia dar algum problema mas os seguranças foram muito educados comigo e só me tiraram do sistema. O grande problema é que eu estava em Cantagalo e ali é longe demais das duas estações mais próximas.


Acabei optando por caminhar pela Rua Barata Ribeiro até chegar a estação Siqueira Campos onde voltei ao meu trabalho habitual de espalhar a poesia pelos trilhos do metrô. Nesse vai e vem cheguei até a Saens Peña e voltei vendendo vagão a vagão. Não é que dentro de um desses, na altura da Carioca, não encontro um amigo que bati bons papos na praça São Salvador?


Ele me convidou para a São Salvador, para beber um pouco e papear. Um chorinho aqui, uma conversa de cá, algumas latas de cerveja depois era hora de ir embora. Caminhei até o Largo do Machado onde pus em prática um truque carioca que acho o máximo.


No rio o transporte público é caótico e muitas vezes as empresas de ônibus lhe obrigam a pegar duas conduções para chegar a um destino cuja distância não é lá tão grande para justificar duas passagens. Com isso surge o Surf de ônibus que consiste em entrar no primeiro ônibus que vai na direção que você quer e perguntar se vai para onde você quer. Se for, que maravilha! Tá chegando em casa rapidinho, se não. Você desce e está um pouco mais perto de casa...


Já tive que surfar umas três vezes para sair do Largo do Machado e chegar na Lapa, mas dessa vez o motorista foi bonzinho comigo e me deixou na lapa. Uma gentileza que deixou minha noite mais feliz. Entrando no ônibus perguntei ao motorista se ele parava no ponto onde eu teria que descer para chegar em casa. Antes do motorista responder uma moça simpática me respondeu que sim, que ele passava por lá e então ela girou a roleta e foi se sentar.


Encantado por essa gentileza dela, passei pela roleta e ao passar por ela entreguei um livreto de poesia e agradeci pela informação. Sentei lá atrás do ônibus e continuei minha viagem pensando no dia seguinte, nos livretos que teria de dobrar e grampear para encarar mais um dia de poesia sobre trilhos e tudo mais. Mas a hora de descer ela me jogou pela janela do ônibus um recado muito singelo que dizia assim: "Obrigada! A arte ainda vai salvar o mundo!" E tinha um monte de beijos de batom naquele bilhete. Num dos cantos um rabisco, que eu acho que era seu telefone que ela rabiscou por algum motivo que nunca vou saber.


sábado, 15 de setembro de 2012

Eu-miragem

Mas que faço eu se sou sonho
se sempre acham que poetas
não sentem fome nem sede
de mil maneiras diversas?

que faço se sou medonho
no mesmo reino de quimeras
que também me fazem príncipe
sem perguntar meu querer?

Sou o cavaleiro que amada
sonha mas não quer que volte
pra sempre poder amar

Eu sinto que sou miragem
que querem nunca alcançar
mas contentam em estar lá

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Chuva, Luto e Recital sobre trilhos

Nem todo dia é dia de poesia. E o Rio de Janeiro não cansa de me surpreender. Jamais vou compreender o porquê exato do luto sempre que chove na cidade maravilhosa. Entrei dentro do metrô e me choquei com as caras mal-humoradas de todos. Sério, tava todo mundo com cara de enterro. E tudo porque caia uma leve chuva que para mim só tinha aliviado o calor estranho que se abateu na cidade em pleno inverno.


Caras de enterro, pessoas mal humoradas e eu parecia ser uma presença errada e feliz num ambiente onde todos estavam celebrando o enterro do sol. E assim eu fui de Saens Peña até Gal. Osório (alguém já reparou na quantidade de penha que tem aqui no rio? É Penha, Penha Circular, Alto da Penha, Saens Peña... Depois eu tenho que pesquisar e descobrir de onde vem esse nome). Foi uma viagem daquelas de poucos amigos, mas encontrei alguns rostos conhecidos, alguns clientes habituais que já fazem coleção dos meus livretos e tudo mais. Mas a esmagadora maioria tava mesmo afim de só voltar pra casa e se recostava nos bancos de olhos fechados.


Na volta de Gal. Osório para Saens Peña tudo seguia no mesmo ritmo até que uma senhora, de cabelos loiros pintados, que estava de pé pegou um livreto meu e começou a lê-lo em voz alta para os amigos e tudo virou uma farra naquele grupo. Todos rindo felizes e contentes a poesia viva na voz dela. Foi um lampejo de felicidade num dia tão cinzento. Colocou cor no dia e mostrou que a poesia pode vencer as nuvens mais carregadas.


Eu fiquei ali curtindo aquele momento espontâneo de poesia no metrô, foi delicioso e me deu uma revigorada daquelas. Tão envaidecido que perdi o tempo das estações e quando vi paramos na Uruguaiana e o vagão ficou apinhado de gente, completamente lotado! Pois é, paguei o preço pela minha vaidade e foi com muita dificuldade que consegui pegar os livretos de uns poucos que queriam devolver e de muitos que animados pelo recital iam levar pra casa os livretos.


Sai do vagão depois de dar um livreto de outra edição para a simpática senhora e quando sai ela voltava a ler os poemas em voz alta para seus amigos. Chegando no vagão seguinte senti o cansaço por ter trafegado pelo vagão lotado e a despeito da alegria do vagão anterior esse estava morto novamente, com caras mal humoradas. É, eu desanimei e aproveitando a deixa que o vagão estava chegando na minha estação desci e fui para casa.

sábado, 8 de setembro de 2012

Para uma poetisa de mão cheia

Bem eu sei que tem sonhos dos mais nobres
e um ralhar mais severo não só irrita:
deprime e propicia males piores...
mas elogio vão nem cai bem na fita!

Linguagem rebuscada, rimas pobres
pois escreve sonetos como se imita
poetas mui antigos por uns cobres
não vê que cega, tolhe e se limita?

Queria ver mais esmero na escansão
mais sabor, tino e crítica na rima
e um versejar mais solto com sua pena

Aprenda no repente e na canção
a amar como mulher e tal menina
brincar com os mil sons desde pequena