Meu pai criava em sua mente todas as formas, luzes, gestos, olhares
e sombras das assombrações que meu avô lhe narrava à luz da lamparina,
os filhos da minha geração recebem todos os mínimos detalhes de seus
monstros narrados através das telas de seus tablets. Não há mais
qualquer espaço para que o espectador do tablet crie em sua mente as
feições que recebe das luzes do tablet. Cada monstro, cada personagem
já tem impressa sua cor, forma e tamanho de maneira indissociável, sem
qualquer espaço ou possibilidade de liberdade para o espectador.
O
narrador da lamparina, o livro de contos e histórias fantásticas, os
romances, as epopeias, e as notícias do jornal impresso cada vez mais
são substituídas por narrativas apinhadas de sons e imagens que provam e
comprovam sua forma como indissolúvel, pronta e acabada. Quadro a
quadro em movimento, narrado e articulado sem deixar espaço para que o
receptor inclua ali sua perspectiva, sua ótica. Cada mensagem
acompanhada de todo um aparato imagético comprova sua veracidade
indiscutível, é pois as imagens não mentem.
Num mundo
imagético, onde tudo é movimento, fala, som e imagem. Num
mundo onde toda informação é dada como pronta, acabada. O ato da
Literatura, per si, sem outro suporte que não a escrita é um ato
político. A poesia escrita e lida é avisa rara na contemporaneidade. É
uma arte incompleta em sua produção pois depende sempre do leitor para
ter seu som e imagem concebidos.
No momento em que o
leitor inicia a leitura é o exato momento que ele se implica no texto
pois e forçado a preencher as lacunas do que lê consigo mesmo, com suas
experiências, com suas memórias, tendo como argamassa sua imaginação
fresca e, pro vezes, nunca antes utilizada. E nesse despertar da
imaginação nasce a capacidade de criar novas narrativas para o que já
recebe de antemão como dado.
Um livreto de poesia
dentro dos vagões do metrô caem, por vezes, no colo desse espectador
televisivo, de seu filho empolgado pelo novo jogo em seu tablet. E
aquela leitura de poucas páginas, de amor, de piada, de política e até
metalinguagem pode despertar o gosto, o desejo por atiçar a parte
imaginativa tão esquecida, tão oculta e guardada num quotidiano que não
dá mais espaço para seu exercício.
Uma mente capaz de imaginar os olhos, boca e nariz da amada do poeta
também é capaz de usar dessa mesma imaginação para descortinar as
sombras veladas que os flashes das câmeras não alcançam. Cada dobra de
página, cada personagem que é construído gera a dúvida salutar de que se
Capitu traiu ou não Bentinho. Se a narrativa do jornal das 10 condiz ou
não com a verdade, se a perspectiva é mesmo a única possível, se outras
imagens não existem e contradizem aquela posta ao ar em rede nacional. Um poema de amor, num mundo onde a própria imaginação não tem mais vez, é um ato político. Um ato político de despertar pois " a poesia torna possível o que já se tornou impossível na prosa da realidade.