muito vale tal órbita concreta
desse seu cego olhar Glauco Mattoso
que fez em fôrma e forma audaz poeta
de soneto em soneto primoroso
nada vale seguir a mesma meta
fadado a versador tão modernoso
pois na rima e no metro se arquiteta
o poema que é puro e vigoroso
à providencial cegueira um brinde
que com seus versos bem nos banqueteia
com palavras lascívas e requinte
de quem sabe tecer bem a sua teia
com palavras sutís e doce acinte
à pudica moral que nos rodeia
PS: eis minha homenagem ao poeta vivo que mais admiro, que mais tenho em conta como parâmetro estético e valor poético. Glauco Mattoso é seu novo nome, conheçam seus milhares de Sonetos perfeitos.
A garrafa, vazia, de vodka gira gira gira e para com a boca apontada para Ele que ri nervoso olhando para Ela que esta exatamente para onde a bunda da garrafa aponta.
Ela, maliciosa, pergunta: "Verdade ou Consequência"
Ele, desafiador, retruca: "Consequência!"
Ela, lambendo os lábios, ordena: "Simule sexo com uma planta."
Ele, atonito, pergunta fingindo que não entendeu pois não acreditava naquilo: O que???
Ela se limita a dizer seca: "Simule sexo com uma planta?"
Ele, desesperado: "Mas qual?"
Contendo, por pouco, o riso Ela diz: "Aquela que achar mais jeitosinha..."
A doce garoupa-crioula, vestida em uma veteranice rodada e branca, tem os cabelouros penteados e de lindas cachias. Ela tem os seus olhos-de-cão amendoados de um azul elétrico e violáceo, mas tristes e marejados.
A doce garoupa-crioula, em um salazarismo amplo e vazio, está amargamente sozinha, com seus pesadumes descalços sobre a marmota fria. Ela, com sua pequenina mapará, manchando o chaparreiro com seu lento gotejar tão vermelho, segura trêmula uma facção pela firmação
A doce garoupa-crioula apenas chora e mordendo uma raja tamanha que machuca seu laborão tão macio.
Baseado no Conto "Doce Garotinha" usando a regra do S+7 do OULIPO que consiste em substituir todos os substantivos pelo sétimo subsequente. usei o dicionário Novo Aurélio da Editora Nova Fronteira em sua 14a edição.
Sou seu sátiro selvagem
saído sob sonhos singelos
sempre sonhando sozinho
Sou seu sortilégio simples
serpenteando soluções
sobre sutil sordidez
Sou seu solitário sábado
sendo sempre serviçal
sem sorriso satisfeito
Sou seu singelo segredo
soterrado sob sepulcro
sem sombrias sombras secretas
Só sou, somente sou sempre
sem sentido sem sapiência
sem solução sem segredos
P.S,: desafio meus leitores a descobrirem e listarem os contraines (restrições que ditei antes de escrever esse texto) é um exercício e tanto para quem quiser aprender um pouco mais sobre poesia e sobre literatura potencial.
No ponto de ônibus vira-se e pergunta para mim com aqueles olhos castanhos:
- Porquê?
Pego completamente surpreso respondo de pronto:
- O quê?
E não contendo o riso ambos se entreolham e eu
digo:
- Porquê?
Mais que depressa ela responde:
- O quê?
Há mais gente conosco naquele ponto, pessoas transitando esperando sua condução para a cama, afinal, era dia de semana e já estava de noite.
Para nós a noite só estava começando e numa troca infinita de porquês e oquês todos ao redor do ponto simplesmente se afastam.
Isso quase nos assusta e intimida, mas no fundo o gosto do proibido, do desafio, do surreal e do divertido nos convence a continuar:
-Porquê?
-o quê?
-O quê?
-Porquê?
O onibus amarelo finalmente chega e esquecemos disso no processo de pegar passagem, procurar lugar, se sentar e tudo mais. Mas bastou sentarmos para que ela virasse para mim em tom de desafio e perguntasse novamente:
-Porquê?
Queria que seu castelo de cartas tocasse o teto da sala de jantar. Era, sem sombra de dúvidas, um projeto ambicioso. Não lhe impediria os tantos baralhos ou mesmo as mais de mil horas de labor dedicado e cuidadoso.
Terminada sua obra, de tantas cores e motivos estampados, encheu-se todo de vaidade e seu ego ficou ainda mais ardoroso: uma pirâmide em tamanho real. Ele a construiria do solo até rasgar o céu e o firmamento luminoso.
Não contava, porém, que ao colocar a última carta, a pirâmide se faria mármore e se cravaria, firmemente, no tecido azul. E, muito menos, que do chão se elevaria para ficar dependurada, com toda a brancura de um lustre, na sala de jantar.
Esse é um pedaço da história da minha avó, contada por ela, recontada por meus tios e uma parte realmente vivenciada por mim, conto com emoção e sem muita preocupação com nada mais que relatar o que senti e vivi nos quase vinte anos que essa história de desenrolou.
A barragem do Setúbal começou a ser construida no fim da década de oitenta mas foi paralizada quando saiu o Governador Newton cardoso e entrou o Hélio Garcia. Havia denúncias de superfaturamento, problemas com a pastoral da terra e com os desalojados pela barragem. Com isso o novo governador mandou desmanchar as fundações que já tinham sido construidas.
A despeito de todas essas justicativas o rio setúbal ia secar em pouco tempo sem a barragem mas os políticos da região não queriam ir contra o governo do estado.
Minha avó Dona Terezinha só com ajuda das pessoas da vila de Jenipapo conseguiu impedir que tal desastre acontecesse!Ela com mais de sessenta anos na época cavou uma vala para não deixar as máquinas irem destruir a barragem e também invadiu a mesma.
Quando ela invadiu a barragem os prefeitos da região reuniram mais 70 policiais para cercar a obra e intimidar a população de lá (é interessante lembrar que cada cidade da região nao tem mais que 4, 5 policiais)
Depois de invadida a obra houve ações na justiça contra a CEMIG que por sua vez também entreou com uma ação de reintegração de posse. Depois da invasão D. Terezinha fez piquete em frente ao prédio da cemig, juntou dinheiro com os moradores da Cidade e apenas um comerciante e a dona da pensão D Lucia ajudaram durante o processo todo o resto foi junto com agricultores, moradores, nenhum vereador ou político que seja ajudou.
Eu me lembro que com meus cinco anos eu estava pintando as faixas na casa de meu avô em Belo Horizonte para fazer a manifestação. Ficamos até de madrugada terminando as faixas, quando fomos embora da casa dela o pneu do carro do meu pai furou e ao ir trocá-lo ele foi atropelado. No dia seguinte Eu e ele assistimos a manifestação da janela do Hospital Mater Dei que é em frente ao prédio da CEMIG.
Com as máquinas paradas até 1992 saiu liminar juiz para que os manifestantes saissem de lá. Na ocasião minha avó teve uma arma apontada ao peito pelo advogado da CEMIG e foi mandada sair de lá e, ao invés de se intimidar, ela caminhou para frente e dizendo atira porque eu não saio!
No fim do processo os animos foram acalmados e por causa da chegada das chuvas não havia mais tempo para desmanchar a barragem e a CEMIG se viu obrigada a fazer uma obra de contenção para manter a barragem como estava.
A barragem foi salva da destruição imediata mas foi esquecida pelas autoridades, pela CEMIG e tudo mais. Durante toda a década de 90 eu vi minha avó procurando políticos, autoridades, prefeitos, governadores, diretores da CEMIG e recebendo apenas promessas.
Já na década seguinte eu comecei a ajudá-la junto com meu pai, escrevendo os ofícios e acompanhando ela por muitas e muitas reuniões. Finalmente conseguimos que a CEMIG declarasse seu desinteresse pela obra e transferisse seus direitos sobre ela para a RURALMiNAS.
Com isso começou outra fase onde minha vó mandava cartas e mais cartas em busca de recursos para a construção da obra e em 2004 estavamos lá presentes, no Palácio da Liberdade, na assinatura do convênio entre o Governo Estadual e o Federal para a finalização da obra.
Só que em tudo isso nunca houve nenhum reconhecimento sobre o trabalho da minha avó. Cada político da região tentou fazer de si o pai da obra, como se tivesse feito algo por ela! Tanto fizeram que só os moradores antigos realmente se lembravam do que minha vó fez e até riam quando diziamos da nossa história.
Bom, pelo menos era assim até o dia de ontem! Na última quinta feira descobrimos que Lula ia vir para a inauguração da barragem e tinhamos certeza que se não fizessemos nada ninguém ia se lembrar de toda a história de todo o esforço dela.
Nós, eu e meus tios, já tinhamos mandando inúmeras cartas ao presidente mas agora era diferente, ele estaria ali para inaugurar a obra! Minha tia, morando nos EUA passou os dias ligando e mandando e-mails para a assessoria de imprensa e cerimonial do governo mas não conseguimos saber de forma alguma se ia de fato chegar aos ouvidos dele.
Estávamos sem esperança a respeito de tudo, porem, sabiamos que aquela obra era a realização dela e ela deveria estar presente mesmo que se ninguém tocasse no nome dela, estariamos ali para comemorar.
Só que foi muito melhor do que todos nós poderíamos imaginar, ao subir no palco, Lula seguiu com os agradecimentos habituais até que começou a ler, linha a linha, a carta que finalmente chegou a ele! Eu não contive as lágrimas ao ver ao vivo o video abaixo: