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Poeta e apenas poeta

Já me olharam espantados quando digo que sou poeta e só poeta. Que não canto, nem danço, nem atuo, nem pinto, nem bordo, que "só" ...

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Coroa de Sonetos de Amor - XII

Não quero que se assuste nem esqueça
pois com meus gesto cheios de rudeza
eu quero lhe dizer que minha pressa
é o tanto que minh'alma lhe deseja

Antes que nessa mente os medos teça
sente e beba comigo um vinho à mesa
sinta o sabor do aroma nessa taça
pois cada gota é toda uma represa

Você é meu vinho mais inebriante
sabor macio, toque suave de carvalho
uma delícia de não ter mais fim

Mais uma taça e um brinde de amantes
nesse amor só lhe quero sem atalho
quero que saiba bem, tal é pra mim

Coroa de Sonetos de Amor - XIII

quero que saiba bem, tal é pra mim
só quero lhe comer. Mais? não tô afim
não podemos pular todo esse flerte
e vir logo pagar-me esse boquete?

não, não que eu seja uma pessoa ruim
mas mulher bonita trato assim
se ela não sabe nem pintar o sete
e na cama só paga de vedete

você se faz de burra como uma porta
e espera que eu me dê todo o trabalho
de desvendar o que já não mostrou?

Não se faça de tonta esteve torta
desde o começo fora do baralho
moça bonita, nunca alguém lhe amou....

Coroa de Sonetos de Amor - XIV

Moça bonita nunca alguém lhe amou
do tamanho do espaço sideral
Mas digo bem sincero que beijou
meus lábios despertou um sem igual

Moça bonita veja bem como sou
as minhas asas são do carnaval
passado e minha auréola vazou
não passo duma nota de três real

Sou malandro nadinha de perfeito
lhe compro flor na banca duma praça
se meu atraso for mais que um horror

Lhe falo sou sincero desse jeito
não me xingue, nem ligue pra essas graças
Moça bonita me faz seu amor

Coroa de Sonetos de Amor - XV

Moça bonita me faz seu amor
sabendo onde estão sem sequer lhes ver
nesses sonhos que são da nossa cor
o que nunca jamais vamos perder

Eternidades são de um só calor
de sua face na minha padecer
quero seu beijo com fogo e fulgor
tão forte que me faz quase morrer

Linda não fale só faça a promessa
não, não diga mais nada só o seu sim
é minha por inteiro tal lhe sou

Não quero que se assuste nem esqueça
quero que saiba bem que como a mim
Moça bonita, nunca alguém lhe amou

domingo, 21 de abril de 2013

Não sou bom partido,
sou melhor inteiro.

terça-feira, 16 de abril de 2013

de pulso


Inventamos o relógio
numa genialidade louca
para nos esquecer

de nossa estupidez
de nossa insensatez
de nossa pequenez

Olhamos pro relógio
pra não cairmos
no doce conforto

de criarmos deuses
de criarmos mitos
de criarmos sonhos

Pois ao olhar pro céu
em busca do tempo
nós nos damos conta

de quanto é infinito
de quanto é eterno
de quanto é absurdo

na parede como altar
o relógio dita a casa
como no pulso o homem

os precisos relógios
são nossas correntes
modernas e perfeitas

Que nos fizeram enfim
libertos dos deuses
mas escravos da máquina

domingo, 14 de abril de 2013

Os críticos literários de ocasião


Recolhendo os livretos depois de muitos risos, sorrisos, pagamentos graúdos pelos livretos e muitos agradecimentos até que...
-Gostou dos Poemas?
-Gostei de alguns mas você repetiu a palavra poeta duas vezes em um poema e isso é errado. - disse ela devolvendo pra mim o livreto.
-Errado? Sou poeta, eu posso. Conferiu a escansão dos poemas também? - respondi irônico.
-Você é quem sabe, estou lhe ajudando. - disse ela arrogantemente
Fiquei indignado e respondi:
-Já vendi mil e quatrocentos livros em um ano aqui no metrô. Obrigado por sua ajuda. 
Sai do vagão e continuei minha meta de vender pelo menos cem livretos num dia de chuva e levar poesia para pelo menos dez vezes mais pessoas.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Queijos


I - Entrada

Queijo combina com vinho
tal o beijo com carinho
mas se combinar demais
vira suspiros e ais

II - Convite

Quero um jantar bem gostoso
pão molhado no foundue
coberto de queijo cremoso
com velas ali e aqui


III -Dizem

que quanto mais fedorento
mais refinado é o queijo
mas é teu perfume suave
que saliva meu desejo

sábado, 6 de abril de 2013

Pechincha de feira


Se pela boca desdenha
mas o corpo quer comprar...
Como apagar essa lenha
com tanto fogo a queimar?

Só há um jeito meu bem: venha
cá comigo se deitar
sem perigo sabe a senha:
fruta doce do pomar

por estas maçãs tenha
fé que vai se aconchegar
entre bananas da Penha
e caquis d'outro lugar

na cesta quero que tenha
tudo que pode levar
da feira de Saramenha
mas seu pudor vai ficar

cuidarei dele pequena
com saudade de matar
queroso: de novo venha
cá comigo se deitar...

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Homicídio Coletivo


Sobre o ônibus que despencou do viaduto. Me parece uma crônica de uma morte anunciada. Quantas vezes eu não xinguei o ônibus que simplesmente não parou no ponto? Quanta vezes eu não tive que andar e até atravessar o viaduto porque o ônibus não parou no ponto? Quantas vezes eu não fiquei mofando no ponto porque o motorista resolveu cortar caminho e não passou pelo meu bairro? Quantas vezes o trocador olhou pra minha cara e disse que não tinha o cartão da integração e que eu devia comprar as duas passagens pelo preço integral?  

Contei muitas vezes até dez, muitas vezes até mil e me resignei e não fiz nenhuma besteira. Mas mentalmente já me sentei na frente do ônibus que não quis abrir a porta pra mim quando estava parado no sinal e no ponto. Mentalmente já joguei pedra no ônibus que não parou no ponto de madrugada. Mentalmente já agredi o motorista. 

Mesmo sabendo que o cara é pressionado por uma empresa escrota que lucra rios de dinheiro fazendo com que ele faça sempre uma viagem mais rápida que a anterior. Mesmo sabendo que a passagem aumenta pra mim mas no salário dele nem faz diferença, continua recebendo a mesma miséria.  Mesmo sabendo que faz jornadas longas e estressantes e agora dupla trabalhando como cobrador e motorista. Mesmo sabendo de tudo isso por pouco controlei minha raiva e minha frustração. 

Mas esse controle, esse eterno engolir sapo uma hora estoura. Uma hora alguém não suporta mais, mais um dia em que vai ter que atravessar o viaduto porque a porra o motorista não parou no ponto. Mais um dia que vai ter o ponto cortado porque a porra do passageiro demorou demais pra descer. Motorista e passageiro no mesmo moedor de carne do lucro da empresa,consórcio rodoviário que "ganhou" uma concessão pública para explorar o transporte em massa da cidade. 

Fácil buscar culpado no motorista que estava acima do limite de velocidade. Fácil culpar o ex-futuro-engenheiro que pulou a roleta para agredir o motorista. Quando são dois agente-vítimas de um crime arquitetado há anos, meses, dias após dias de maximização dos lucros de centavo após centavo lucrado indevidamente às custas de tantos trabalhadores, de tantos passageiros que são levados de um lado pro outro como gado. 

Não tenho respostas fáceis, mas os culpados não tem o rosto colocados nos jornais.  Não estão agora deitados em macas nos hospitais. Estão confortáveis em seus lares vendo todos dizendo que a culpa é do estado que não fiscaliza. Estão lá prefeito, governador, empresário e empreiteiro felizes e contentes com sua máquina de fazer dinheiro azeitada com os corpos de trabalhadores-indigentes.

quinta-feira, 14 de março de 2013

aos primeiro de Março


só me faltam
três pros trinta
e me assaltam
dúvidas infinitas

seria essa uma crise
de meia-idade precoce?
Ou mais uma rebordose
de um velho adolescente?

vinte sete anos
com teto mas sem tento,
carreiras, filhos,
carros ou casamento

vinte sete anos
Três faculdades,
um livro publicado
e outro pela metade

meio mambembe vendo
meus versos de vagão
em vagão com que pago
a cerveja e o feijão

meio lixeiro recolho
pedaços de meu coração
remendo, costuro e colo
uma mentira sem tesão

três pros trinta
é pouco sucesso
mas muita tinta

três pros trinta
é muito verso
pra poema de quinta


domingo, 10 de março de 2013

Poeta

Poeta de bolsa bermuda e camiseta
um poeta tropical de férias do mundo
no trem lhe faz feliz o riso e a careta
do leitor que se espanta no seu verso imundo

Verso alexandrino poesia barata
mesmo no calor do rio seu metro é fecundo
E o livreto de preço livre a fome mata
Podendo esse poeta viver vagabundo

Ele faz com os coelhos que nas suas tocas
dormem saindo só se a lua no Rio de Janeiro
surge no céu e nos trilhos o ritmo toca

As sandálias gastas do poeta mineiro
contam de seu calor nas terras cariocas
"usar sapatos não dá nesse braseiro!"

quinta-feira, 7 de março de 2013

SD


Tenta tenta escrever filho da puta
que cê tá doido doido demais
roda roda mas não chama o seu juca
cê sabe, isso é o que o brigadeiro faz

Doido, maluco beleza e batuta
só pelo poder de Jah me veio a paz
Tudo doce sem gosto de cicuta
e a moça do chapéu beija o rapaz

toca, toca mas não chama o raul
to louco, to na trava, bateu o sino
esse veio de Saquarema do Sul

todo excesso nos leva pro divino
Dionisio é melhor que Belzebú
sou ele na sua sede de vinho

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Um trabalho bem bolado


A minha vida é irreal, surreal. Muitas vezes se escuta "minha vida daria um livro" mas não é meu caso. Minha vida não daria um livro pois não possui qualquer ponta de verossimilhança. Sim, eu moro na cidade do Rio de Janeiro e vivo as custas de meus versos. Sim, eu vivo de poesia! E antes que os românticos relembrem o casal que vive de amor lhes digo. É meu trabalho, levo poesia de mão em mão nos vagões dessa cidade louca.

Pensando como meu pai, mãe e irmão administradores eu procurei um nicho de mercado, um espaço carente de cultura e principalmente de poesia. Poetas urbanos o Rio está cheio, transbordando. Mas só nos lugares de sempre. É impossível passar na frente do CCBB, Teatro Municipal, Biblioteca Nacional sem encontrar com essas incríveis figuras... 

Eu acho que seria mais um se não fosse por esse tino que veio de família. Meu pai sempre me contou a história de dois funcionários de uma empresa de calçados que foram mandados para a India, o primeiro voltou dizendo que não recomendava de jeito nenhum instalar lá uma fábrica pois ninguém lá usava sapatos, já o segundo voltou dizendo que deviam se preparar imediatamente pois lá ninguém AINDA usava sapatos. 

Na frente dos centros de cultura todos já estão de certa maneira saturados de poesia, vêem e lêem todo dia arte, literatura, poesia.  E são sempre os mesmos frequentadores, um público bem restrito. Dentro dos vagões eu encontro gente de toda sorte que teve o azar de não ter tempo, oportunidade, interesse de degustar um pouco de arte naquele dia. Meus livretos são algo raro dentro dos vagões. São calçados novos num lugar onde tantos nunca experimentaram uma par de sandálias.

O prazer que levo para esses leitores em potencial gera todos os tipos de reações e hoje foi mais um daqueles dias chuvosos que parecem que se não rendem muita grana pelo menos dão ótimas estórias. Sai de casa hoje depois de um bocado de esforço para vencer a preguiça, mas finalmente consegui! A primeira viagem Tijuca-Gal. Osório não foi lá essas coisas, todo mundo desinteressado, com frio e dormindo. Algumas poucas almas tinham um lampejo e me deram cinco reais cada uma em alguns vagões. Um jovem negro que parecia que tinha saido de um dia longo levou meu livro "Sobre Máscaras e Espelhos" com um sorriso branco no rosto. Mas era uma daquelas viagens desestimulantes sem muitas reações positivas. 

Cheguei em Ipanema torcendo para que a volta fosse um pouco melhor, mas não foi. A mesma desanimação e sonolência na maioria dos vagões. O desânimo já ia me abater quando resolvi trocar de linha em Botafogo e seguir o itinerário em direção a Pavuna. Sabe como é, já estava ruim ali, não custava arriscar a sorte em outra linha. Em partes deu certo, havia muita gente animada, feliz e rindo nos vagões. E dai choveu moeda, vagão por vagão os livretos foram vendidos e recebidos com sorrisos lindos. Isso me empolgou que nem vi que passei pela Estação Central. "A estação Central é a última estação para a transferência entre as linhas um e dois" Dessa vez eu não escutei essa frase da moça do aviso sonoro.  

Mancada minha, já era tarde demais e a volta os vagões estariam desertos, como já estava tudo fodido mesmo continuei ali seguindo em direção a Pavuna pois pelo menos a ida tinha gente em cada vagão. Mas como eles não são infinitos acabei o último vagão da composição e saltei em Maria da Graça. Agora era encarar a volta. Enquanto esperava o trem que me levaria até a Central e da central até minha estação de desembarque eu fui dar uma conferida nos rendimentos do dia.

Foi hilário constatar que tinha recebido praticamente a mesma grana indo pra zona sul e indo pra zona norte. Na zona sul menos gente contribuiu com muito e na zona norte muita gente ajudou cada um com um pouquinho. Pode parecer estranho mas fico mais feliz com várias pequenas contribuições do que com uma grandona. Sinto que faço mais diferença, que estou sendo melhor acolhido por tantos ao invés de só por três ou quatro passageiros da zona sul.

Contado o dinheiro o jeito era encarar a volta e sem surpresa entrei nos vagões desertos. Pouca gente no primeiro um livreto vendido para um casal simpático, No segundo um par de idosas comprou os livretos também, no vagão seguinte fiquei de papo com uma linda loira de cabelos longos e unhas compridas e marmorizadas, ela queria levar o livro, mas não tinha mesmo dinheiro e acabou levando só o livreto.

Troquei novamente de vagão na estação São Cristóvão e era um vagão com apenas seis pessoas, um casal se beijando ao fundo, um jovem no seu Ipad, um senhor de idade de camisa vermelha e uma mulher de seus quarenta anos em uma forte crise de gripe. O casal não parou de se beijar, o jovem do Ipad pegou o livreto mas voltou a mexer no Ipad, o senhor recusou e a mulher pegou o livreto com um sorriso cansado no rosto. 

Caminhei pelo vagão esperando o tempo passar, vi que o jovem realmente não ia largar o Ipad por nada e a mulher quando me viu chegando perto perguntou se eu estava vendendo eu fiz que sim com a cabeça e sorri. Ela tinha guardado o livreto em sua bolsa e então o retirou e começou a lê-lo. Nisso chegamos a estação Cidade Nova onde entrou um par de meninas novas mas que recusaram o livreto em meio a um papo muito animado. Estávamos quase chegando na Central e peguei o livreto do jovem do Ipad, ele me entregou sem desgrudas os olhos da tela. 

Caminhei em direção a mulher que estava agora com uma cara bem melhor e disse: "Poesia faz bem né? Quanto custa?" eu como sempre disse que o preço era livre, que poderia contribuir como quisesse e ela começou a remexer na bolsa até que resmungando para si mesma "Só tenho cinco centavos" mas dai olhou pra mim com uma cara de iluminação e perguntou: "Você fuma um baseado?

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Vida


Vermes, em vossos ventres, vis vicejam
vão vagando famintos, verminosos
Vermes, em vossas veias, refestelam
virulências e vícios vultuosos

Vermes, que vos vomitam, vaticinam
vossa vontade vã e vossos vãos viços
virulentos, vazios, velhos que vingam
vagos vilões vilmente vos vividos

Venham ver, não vão passar d'uma aurora
vaga e vazia as vossas vastas vidas
num universo feito do inverso

Venham ver, vão passar num ir embora
voláteis visões das pessoas queridas
vagando voltando em prosa o verso



segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Noturno


toma-me com força
sou da chuva poça
de trocas veladas
e cartas marcadas

sonho que sou moça
de pele de louça
rara e bem cuidada
co'as roupas rasgadas

num toque faminto
por teus fortes dedos
nestes meus mamilos

mas, renego e minto,
seriam teus suspiros
nestes meus segredos?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Entre a Igrejinha e o Terreiro


De nascimento sou Mineiro
de comida boa com alho e sal
além de doces sem igual
mas vivo no Rio de Janeiro

Não eu num sei tocar pandeiro
surdo, bumba ou berimbau
Mas curto a onda de carnaval
do mêsdmarço inté Fevereiro

Eu larguei meus mares de montes
por mais um por-do-sol no cais
e versos com novo tempero

Vim dos mais belos horizontes
dessas minhas minas gerais
presse tão sacro pardieiro!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Era pra ser um soneto..


Todos os dias eu travo
uma batalha sem fim
com as palavras
e o que elas querem dizer

com o que elas dizem pra mim
com o que elas dizem pra você

domingo, 20 de janeiro de 2013

Análise literária do soneto "Poeta do Hediondo" de Augusto dos Anjos


O poeta que se intitula Hediondo nos versos deste soneto descreve com riqueza de detalhes o que se passa em seu corpo.  É uma seqüência de detalhes que se assomam num estado de desespero que parece sugerir verso a verso um colapso do corpo, um ataque do coração, um desfalecimento e até mesmo o prenúncio dos seus momentos finais.

Os sons dentais das consoantes "d" e "t" auxiliam a sonoridade do poema a se apresentar como o tema de morte que finalmente surge ao fim do poema. Freqüentemente esses sons se encontram inclusive em posição de destaque sendo as sílabas tônicas de cada verso. Esses sons ecoam ao longo do poema prenunciando a temática fúnebre da morte.

Composto por versos heróicos o poeta demonstra uma capacidade única de domar o ritmo dos polissílabos. Feito raro na nossa poesia tão afeita a tijolos pequenos, o poeta aqui constrói não com azulejos o seu mosaico de versos e sim um castelo de sólidos e pesados componentes. A escolha dessas palavras faz parte do objetivo frio e certo do poeta, de uma poesia de ângulos agudos, de palavras diretas, onde muitos poetas floreiam e rodeiam o poeta em questão é direto, objetivo, científico.  A agudeza de seus versos, o tamanho das palavras que escolhe e a maestria que consegue adequar tudo isso ao metro canônico é um feito hercúleo de raríssimas similitudes na língua portuguesa.

É impressionante a conjugação de concreto e metafórico que o poeta alcança ao tratar de descrever sensações tão viscerais, é impossível não senti-las de imediato ao ler o poema, impossível não sentir em seu peito como seriam essas aceleradíssimas pancadas que abrem o soneto.  Os termos complexos nos fazem sentir entre a mesa de cirurgia e a de autópsia. Um clima de agonia e conflito que não se resolve e apenas cria mais e mais tensão.

Na primeira estrofe temos um Algo que desperta o sujeito poético Algo que dispara as pancadas do coração por ameaçar sua própria vida tratada aqui como existência em seu sentido mais orgânico. A mortificadora coalescência pode ser vista como a própria morte quando o organismo cessa seus processos fisio-químicos que mantém o corpo em funcionamento, é quando todos os elementos do corpo passam a se movimentar para se tornar um só, voltar para a decomposição final uma única unidade de matéria.

E tal processo de morte descrito é causado por algo além do mero infortúnio, é a soma das desgraças humanas, mas não se trata de uma mera soma, é um somatório com fim, objetivo e função. A congregação das desgraças humanas é uma visão de que esses males atuam num processo escatológico, um processo destinado. Há um vaticínio, uma má sorte guiando essas desgraças a fim de resultar no fim do Poeta do Hediondo.

Na segunda estrofe, em seu primeiro verso, é retomada a idéia do coração que bate forte e intenso, são cavalgadas em seu peito que os desnorteiam, que o fazem alucinar. E justamente nesse delírio de agonia surge na mente uma consciência. Uma culpa de um misticismo cientificista que atribui as suas neuronas despertas pela agonia a capacidade de antever seu futuro.

Pela medicina de sua época uma Sonda em seu cérebro é decerto que post-mortem ou por si mesmo uma forma de morte. Com os versos que o antecedem compreende-se que é uma clarividência uma visão de seu futuro à mesa de autópsia. Tendo, inclusive um diagnóstico, um vaticínio sendo a sua causa mortis a mais hedionda generalização do Desconforto. Notando-se aqui um ponto importantíssimo no uso de maiúscula para gravar o desconforto, há uma entificação desse sentimento. Ele é tornado um personagem dessa história maldita. Algo que acompanhou a tanto o poeta que se torna por si algo além de um mero sentimento mas também um Ente de sua narrativa e quem sabe até seu verdadeiro Algoz.

A última estrofe do poema soa depois de sua agonia, morte e autópsia como se estivesse escrita na lápide do poeta. Uma lápide daquele que rejeitou ou não teve como ter para si o consolo do lirismo doce de seus predecessores, que não acreditou no descanso do Parnaso e nem conseguiu fugir para o mundo Onírico do Simbolismo. É uma estrofe que descreve bem seu poema, marcado pela tangibilidade absoluta da carne,

Não se trata aqui da mera pedra do caminho tão cantada por poetas portugueses e brasileiros.  Mas dos ossos, reais e inegáveis. Não há nesses versos de augusta qualidade a possibilidade de imediata abstração, são sim os ossos é sim, a inexorabilidade da morte que está presente. É uma poesia de um vivo que antevê sua morte, que a sente em cada parte de seu corpo. Que canta para ela em Desconforto em uma agonia que se presentifica verso a verso e que nessa última estrofe tenta escapar pelo seu reconhecimento.

O POETA DO HEDIONDO

Sofro acelerassimas pancadas
No coração. Ataca-me a exisncia
A mortificadora coalesncia
Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinarias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no rebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

(Augusto dos Anjos -  EU E OUTRAS POESIAS)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Danoso


Nas fotos eu a vejo
com um sorriso triste
de quem se faz tão feliz
quanto todos querem

Não sei mais o que bate
por sob seus belos seios
na camisola negra de dormir
nem se tem sonhos ou desejos

Sei que ela no seu quarto
ainda guarda o violino
que lhe dei com carinho

E dorme sobre sua cama
o urso de seu tamanho
escrito "Te amo" nos pés

domingo, 6 de janeiro de 2013

Ela


Vazio, medo, desamparo sem par
entre cacos das louças, panos, pratos...
tateia procurando o próprio lar
seguro e sadio do porta-retratos

Vela não encontra mas já sem ar
segura a lâmina tal amuleto
jeito perfeito de presentear
a sua dor com amargo sofrimento

Vaga, sozinha, perdida e estranha
seus olhos são um caudaloso rio
e queima frio seu coração e entranha

Vai segurando a faca pelo fio
morde sozinha uma raiva tamanha
que machuca seu lábio tão macio

Juventude


Voz um pouco rouca, 
não fique sozinha, 
com essas garrafas, 
de vinhos sem safras. 

a tua linda boca, 
que não é só minha, 
beija o corpo meu, 
que não é só teu. 


Obs: Poema de minha autoria publicado originalmente no Poesia Formada em 2004. Redescoberto por encontrá-lo sem autoria num blog qualquer, gostei muito dos versos até perceber que eram meus! Parafraseando meu mestre Quintana: "Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos."

sábado, 22 de dezembro de 2012

Nutrição


picotei minha camisa
e fiz um suco de manga
ficaram fiapos de pano
grudados entre meus dentes

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Hai-kais Eróticos

Hai-kai é uma forma de poema de origem japonesa que consiste em três versos que formam uma imagem. O primeiro e o último versos são em redondilha menor e o verso do meio em redondilha maior. É incrível como apesar de serem línguas tão diferentes o português e o japonês possuem estruturas poéticas bem parecidas. Segue abaixo uma coletânea de hai-kais de temática erótica.

*
pois toma cuidado
senão um malvado lhe pega
saiu sem calcinha
*
arteiro fedelho
que pela janela espia 
a sua irmã no banho
*
menina direita
beija o namorado
com sabor do amante
*
sua mão no meu sexo
minha boca em seu mamilo
cinema vazio
*
leite condensado
tão quente, doce e salgado
derrama na boca
*
na ponta do lápis
formam as curvas das coxas
e o risco do sexo
*
ela faz a chuca
prontinha pro namorado
que então só lhe chupa
*
estocada forte 
mordidas e cicatrizes
não são pra aprendizes
*
todo mundo gosta
caralho, buceta e cu
de ao menos um

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O mito do talento artístico e a valorização do artista.




O quanto o conceito de arte enquanto dom atrapalha a percepção que nós temos do artista enquanto um sujeito que trabalha e merece ser remunerado pelo que faz?

Quando pensamos que o que o artista faz é um talento inato e que dispensa um esforço, estudo e treino passamos a considerá-lo como inferior e distinto das outra ocupações vistas como dispendiosas, cansativas e até sofridas. 

Conseguimos enxergar o suor na testa do pedreiro, os anos de estudo de um advogado, as olheiras de plantão após plantão do médico. Mas o artista cujo trabalho passa por fazer com que sua obra soe natural, fluida, leve e de certo fácil é bem mais difícil enxergar as noites em claro do poeta com seus versos, a dor da bailarina que sorri enquanto dança, os ensaios exaustivos do ator antes do monólogo. 

Seja sob o palco, na moldura ou dentro do livro o trabalho do artista de encantar seu público parece bem menor quando colocamos a culpa daquela beleza em um talento místico, em uma virtude inoculada por uma musa inspiradora. 

Acredito que o conceito de talento inato é uma ficção muito perniciosa ao artista. Apesar de seu esforço muitas vezes dever ser escondido por questões estéticas na apresentação final da obra o mesmo não deve ser desmerecido e colocado como inexistente em virtude de uma "alma de artista" ou qualquer coisa que valha.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Diálogos que a gente vê por ai:

- O homem é o único animal que joga no bicho.

- Claro! O bicho não é burro o bastante pra jogar no homem!

domingo, 2 de dezembro de 2012

Ela, no espelho, sou eu


Pequenina e magricela
porém faminta como eu
tem um jeito de aquarela
que no pincel se perdeu

Pinta co's dedos a tela
dum jeito bem meu e seu
Assim bruta e singela
uma musa prum ateu

Sou narciso enamorado
por essa doce mocinha
que as vezes morre de medo

de ter o peito apaixonado
pela poesia daninha
que guardamos em segredo

Depois da aula


Itala

Eu estou feliz 
pois já consegui
tudo que eu mais quis
apesar de você

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O novo livro: Poeta Sobre Trilhos

Na foto: As 14 edições dos meus livretos (incluindo edição erótica)
 o primeiro livro: Sobre Máscaras e Espelhos,
o livreto do Fora de Área
do Zuza Zapata e do Josué Carlos
Com quinze crônicas e o conteúdo dos quinze livretos pretendo editar meu novo livro Poeta Sobre Trilhos: Diário de Bordo contará as minhas aventuras e desventuras dentro dos vagões do metrô e do trem nas cidades de Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Contará como é viver a dois anos de e para a poesia. Contará como são as diferentes reações dos leitores que variam de idade, estilo, classe social e profissão. 

Meu trabalho é diferente dos de muitos poetas de mão em mão pois levo meus versos justamente para onde não há a expectativa da poesia. Para onde o público não é visto como consumidor de versos. Nada de saraus da zona sul. Meus versos vão de Ipanema a Pavuna sendo recebidos igualmente por leitores ávidos onde menos se esperaria. 

Poeta Sobre Trilhos é o nome que ganhou meu livreto que é o carro chefe do projeto Despertando Leitores. Quero com eles mostrar pro maior número de pessoas que poesia não é aquela coisa chata que se lia na escola para fazer prova. Que poesia é um prazer, um deleite para se ter nos momentos de ócio ou espera. A viagem chata dentro do vagão pode se tornar um momento de prazer único, se tornar uma viagem diferente da habitual. 

Dentro do vagão lê meus versos o homem de terno e gravata e também o office boy. Lê a professora e também a dona de casa. Sem esquecer é claro do abulante que vende água mineral e coca cola ou da menina de  vestido colegial. Cada turno, manhã, tarde e noite é um público diferente. É gente que lê poesia com estranheza, dificuldade e desconfiança mas que muitas vezes acaba gostando e pedindo por mais.

Adoro ler no rosto dos passageiros a expressão que fazem ao ler verso a verso meu poema e com alguma atenção consigo até saber qual é que estão lendo naquele momento. Um sorriso, um rubor, um riso solto, um olhar ou suspiro. Dá pra ver naqueles rostos que estão imaginando meus poemas, criando em suas mentes cada personagem e eu lembro que a maioria está acostumada a receber tudo pronto da tevê. Ali é uma nova chance para darem asas a imaginação fazer delas seu tesão e prazer. E alguém que volta a imaginar é mais livre para pensar e questionar seu mundo, o que diz no jornal nacional e o que escuta no horário eleitoral.

Acredito que minha experiência contada nesse novo livro será importante para mostrar que é possível sim realizar seus sonhos, que é possível ser artista só contando consigo mesmo e seu talento. Que não é preciso se sujeitar a um trabalho que detesta ou que não acredita em seu futuro. Hoje me sinto fazendo a diferença com o que faço, desperto leitores e novos amantes de poesia todos os dias, vagão por vagão, sem pressa mas com muita alegria.

Procuro no momento interessados a contribuir com a realização desse segundo livro. Quero condensar numa obra esses dois anos e espalhá-la para além de onde eu possa estar para que incentive outros artistas a também espalharem a arte pelo pais. Pois é como Marcuse me ensinou durante as aulas de filosofia: "A poesia torna possível o que já se tornou impossível na prosa da realidade."